Folha de S. Paulo


Descuido na convenção

A Folha publicou domingo passado extenso material de introdução à convenção nacional do Partido Democrata americano. O evento, ocorrido durante a semana, foi um dos mais importantes da agenda internacional este ano. O jornal acompanhou o assunto com precisão, seriedade e bom humor. Mas todo o esforço está prejudicado pela revelação de um caso de plágio publicado naquele domingo.
Na página 3-5 do caderno Mundo, a Folha publicou ilustração em quatro colunas com o título "Uniforme Para Um Delegado à Convenção Democrata". O desenho mostrava um militante de jeito engraçado, com tudo o que caracteriza um fanático delegado democrata vindo do interior dos EUA. O rosto era uma foto recortada do candidato Bill Clinton. Em orno do desenho foram dispostos textos que apontavam para detalhes da figuram com recomendações a respeito da maneira certa de se comportar em Nova York, a maior, mais violenta e menos "americana", das cidades dos EUA.
De modo explícito, a Folha assumia para si a autoria da ilustração, que em muitos detalhes segue de perto o "original" da revista. O crédito do trabalho artístico era para a "Editoria de Arte".
A autoria do texto era atribuída a David Drew Zingg, articulista nascido no Brasil há décadas e profissional de grande experiência jornalística.
Na noite daquele mesmo domingo, o leitor Sérgio Rizzo, 26, assustou-se ao ler a Folha e deparar com a ilustração. Recém-chegado de sua primeira viagem a Nova York, ele achou que já tinha visto algo muito semelhante. Foi conferir e confirmou que ela era quase igual a uma foto publicada pela revista "New York", que ele comprara antes de embarcar para o Brasil.
Rizzo enviou-me um dossiê apontando a cópia. Segundo ele, o que o moveu foi a indignação diante da apropriação de idéias alheias.
O articulista Zingg, que propôs a reportagem e a ilustração, diz ter recomendado à editoria de Exterior que informasse que a Folha havia se "inspirado" na revista nova-iorquina. A editoria de Exterior declara que o próprio Zingg dispensou crédito para a "New Yorker", alegando que o texto fora muito modificado, e para melhor. Zingg diz que chegou a entrar em contato com a "New York" pedindo autorização para usar a idéia, mas que não obteve resposta da relações-públicas da revista, Joan Morgan.
O uso não-identificado das idéias e do trabalho alheio é uma prática bem mais disseminada na impressa do que pode parecer. Em muitos casos, o plágio existe, mas não é reconhecido como tal, pois ele permanece numa área cinzenta. As pessoas têm idéias que lhes parecem originais, mas que emergem sem que elas próprias percebam que na verdade são de autoria de outrem.
Há, entretanto, casos como esse que demonstram evidente falta de rigor na observação de princípios éticos básicos, como o estabelecido no verbete "plágio" do Manual de Redação da Folha: "Usar texto, idéias ou trabalho de levantamento de pessoa ou instituição e não atribuí-los à verdadeira fonte é uma prática inadmissível na Folha. Além disso, constitui crime, mesmo que apenas partes tenham sido copiadas. Quando houver necessidade de reproduzir informações exclusivas ou idéias originais de terceiros, é obrigatório citá-los.

ALTA E BAIXA
ALTA para a "Veja", por noticiar as ameaças de membros do governo federal contra os proprietários da editora Abril, que publica a revista.

BAIXA para o governo Collor, que depois de invadir a Folha e promover boicote publicitário ao jornal de maior circulação, se volta agora contra a maior revista nacional.

ALTA para a Folha, que vem consolidando nos últimos dias a posição de único jornal diário a acompanhar o Collorgate com os detalhes e a independência que o assunto demanda. "O Globo", que se destacara inicialmente, modera o passo, como se tentasse descobrir para que lado sopra o vento, o que, sem ironia, já é uma evolução.

Retranca
Mudou a tendência dos que ligam para manisfestar sua opinião a respeito da cobertura que a Folha tem feito do Collorgate. Ao contrário do que vinha ocorrendo, na semana que passou foi maior - 15 contra 8 - o número das pessoas que ligaram para elogiar o trabalho da Folha. Antes, as críticas superavam os elogios. De uma maneira geral, os descontentes acusam o jornal de radicalismo. Quem elogia diz que Folha auxilia o país cumprindo sua missão de fiscalizar o poder e os poderosos.


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