Folha de S. Paulo


A "Santa Ceia" do Riocentro

A cobertura da chamada "Cúpula da Terra", realizada no Rio, com a presença de mais de uma centena de chefes de Estado e dezenas de milhares de representantes de organizações não-governamentais permite mais uma observação dos dilemas que têm afetado o jornalismo da Folha.

De acordo com a secretária de Redação da Folha, Eleonora de Lucena, o jornal optou desde o início por fazer uma cobertura seletiva do evento. Isso quer dizer que a Folha, ao contrário do que fizeram os concorrentes que editaram cadernos especiais, não reservaria muitas páginas para noticiar o evento.

A prioridade seria oferecer aos leitores uma visão crítica do encontro, uma abordagem que permitisse uma reflexão mais penetrante para além da versão otimista e das demonstrações piegas de congraçamento universal que a Organização das Nações Unidas (ONU), os governos e mesmo muitos grupos ecologistas, religiosos e esotéricos presentes à conferência procurariam vender.

A Folha conseguiu o que desejava? Em termos gerais, sim, diz a direção do jornal. Eleonora de Lucena avalia que, embora a Folha pudesse ter dado mais atenção para a presença dos chefes de Estado no país e para as discussões científicas, o jornal abordou na medida certa as principais polêmicas políticas da reunião, como a biodiversidade, por exemplo.

Mas é muito difícil descobrir entre os outros jornalistas da Folha alguém que se sinta orgulhoso dos resultados do trabalho. Um dos mais críticos é Fernando Gabeira, um repórter renomado também por sua militância política ligada ao movimento ecológico, e que acabou solicitando demissão em meio aos trabalhos da reunião do Rio por discordar da maneia como a Folha vinha conduzindo sua cobertura.

A tensão não se limitou à gerada pela duplicidade de um jornalista que também é liderança verde. Ela invadiu outras áreas da equipe. A editora de Cotidiano, Laura Capriglione, uma das responsáveis pela co-ordenação dos trabalhos, foi exonerada durante o evento. Também deixou o jornal o repórter José Arbex, ex-editor de Exterior da Folha e ex-correspondente em Nova York e Moscou.

Segundo Gabeira, sua saída, amistosa e só efetivada após a reunião do Rio, deveu-se ao que ele qualifica como leviandade intelectual do jornal. Para Gabeira, a Folha recusou-se a reconhecer a dimensão histórica e política do evento, o encontro mais importante na era pós-Guerra Fria, privilegiando a exploração de aspectos mais sensacionais e pitorescos.

Critica o fato de a editoria de Exterior não ter sido convocada a participar da cobertura. Considera ainda que o jornal não deu destaque suficiente aos aspectos positivos para o país oriundos da reunião, como os recursos obtidos para projetos ambientais no Rio. São Paulo, Porto Alegre e Ceará. Diz que a Folha omitiu-se de avaliar o que ele considera ter sido uma boa participação do governo Collor, literalmente alijado da cobertura. Gabeira faz uma comparação que reconhece ser exagerada: é como se o jornal fosse cobrir a Santa Ceia e ficasse preocupado cm saber se o vinho era de boa qualidade e o pão dormido.

Se o Rio marcou ou não algo de realmente importante para os destinos do planeta é algo que só se vai saber nos próximos anos. Independentemente disso, já se pode concluir que a Folha sai dela mais perdedora do que vencedora, o que poderia ser evitado sem grande esforço.

ALTA E BAIXA

ALTA para a Folha, cuja independência foi novamente comprovada em depoimento do ex- secretário particular do presidente Collor, Cláudio Vieira, à CPI do caso PC. No depoimento, Vieira assumiu a responsabilidade pela execução da decisão do governo de não encaminhar publicidade institucional à Folha, que havia noticiado os contratos sem licitação entre o Planalto e as agências de publicidade Setembro e Giovanni, participantes da campanha eleitoral de Collor. Entre 1 de janeiro e 30 de junho de 1991, a "Gazeta Mercantil" recebeu Cr$ 537 milhões, a maior parte composta por publicidade legal. "O Globo" levou Cr$ 360 milhões e o "JB" teve Cr$ 195 milhões. A Folha ficou em último lugar com Cr$ 8 milhões.

BAIXA para a Folha, dizem seis leitores que telefonaram na sexta-feira para protestar contra a publicação da foto dos jogadores do São Paulo Raí e Antônio Carlos nus.

RETRANCA

  • O jornal "O Globo" publicou nota (ao lado) na sexta-feira passada, como críticas à Folha e um ataque a este ombudsman. A nota é de tal índole que sua simples leitura revela mais sobre os critérios éticos e a seriedade da direção daquele jornal do que qualquer análise a respeito. Na noite de sexta-feira enviei resposta por fax o diretor de Redação de "O Globo", Evandro Carlos Andrade. A carta (também ao lado) não foi publicada na edição de ontem.

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