Folha de S. Paulo


Admirável leitor novo

Mudar faz parte da identidade da Folha. Neste ano o jornal fez duas grandes alterações editoriais, dessas que outras publicações fazem lentamente, uma vez a cada década, se tanto.

Em fevereiro, mudou a divisão dos assuntos nos diversos cadernos. A novidade até hoje não convenceu a muita gente, especialmente a extinção do caderno de Esporte nos dias de semana e a confusa criação do caderno Brasil, que tenta unir o noticiário político e econômico, o que raramente faz de maneira satisfatória.

Em novembro, foi a edição de domingo a se transformar para tentar expulsar "O Estado de S.Paulo" de seu reduto (o último!): a liderança de vendas na capital de São Paulo.

Nessa segunda mudança, a *Folha' buscou ao mesmo tempo neutralizar a reforma gráfica antes ocorrida em "O Estado de S.Paulo", que também passou a sair às segundas-feiras, e ao mesmo tempo desafiar o concorrente naquilo que ele tinha de mais forte, os classificados de domingo.

A Folha muda constantemente desde a década de 70. Muda com maior rapidez desde 1984, depois que Otavio Frias Filho assumiu a Direção de Redação. Desde então, o jornal passou mais explicitamente a encarar a notícia como um produto, um serviço a ser oferecido ao leitor.

Mas quem é esse leitor? Ele não é uma personalidade dada, estática, única. Ao contrário, trata-se de um conjunto em transformação, cujos gostos, especialmente entre as pessoas mais jovens, são na maior parte desconhecidos. Fazem-se pesquisas para detectar as preferências dos leitores, mas elas são apenas indicações genéricas, não há pesquisa capaz de descobrir com precisão sequer aproximada qual deve ser o tom do jornal que fará sucesso no futuro.

A Folha foi um dos primeiros jornais a reagir diante da constatação de que os leitões tendiam a ser influenciados pela televisão e pelo ritmo da vida moderna. Não negou a tendência. Procurou adaptar-se. Reduziu o tamanho de seus textos àquilo que considerava essencialmente necessário. Investiu na informação gráfica, em fotos e artes, em que a aproximasse da televisão. Instituiu um Manual de Redação, odiado pelo sistema eclesiástico de jornalistas. Dentre outras heresias, o manual recomenda que tudo que puder se dito na forma de gráfico, mapa ou tabela não deve ser dito na forma de texto.

Editores fazem jornais com um olho no público de hoje e outro no de amanhã. A ideia é que o jornal esteja sempre em algum ponto intermediário entre esses dois pontos.

Ocorre que as tendências são opostas. As pesquisas indicam que os jovens tendem a ler menos em geral e a ler menos jornal como fonte de informação em particular. O fracasso socialista contribui ainda mais para esse desinteresse. No Brasil, as variações da utopia eram uma forma de acesso dos jovens aos temas "sérios" que a tradição destinou aos jornais. Há quem pense que no lugar do interesse globalizante existente até hoje na leitura de jornais, abre-se um período de pulverização dos focos de curiosidade. O "público" se dividiria em vários públicos absolutamente compartimentados, cada um com um interesse específico, voltado quase que exclusivamente em "assuntos" variados: o ecológico, desde logo, o feminista, o sensível a causas sociais como a fome, as tribos culturais, até os vários minipúblicos. Assim, para manterem a sintonia com os tempos, os jornais teriam eu ser mais ligeiros, menos políticos, mais variados, sem se prender a um ou dois focos principais de interesse mais em dezenas deles. Essa "teoria do novo leitor" precisa ainda ser testada.

Sua comprovação é ainda mais difícil porque ela precisa adequar-se a um mundo de velocidade, interação e complexidade crescentes. Nesse mundo parece haver um leitor a clamar por um jornal em que todos os espaços sejam ocupados segundo o seguinte modelo geral: "Esta é a notícia e esse é o seu significado".

Fazer um jornal sob esse lema, com ênfase em especial na segunda parte dele, constituiria a mudança fundamental que a Folha ainda não conseguiu. Realizá-la certamente implica uma mudança radical de mentalidade. Talvez negar muito do que foi feito até hoje. Será impossível anuncia-la na Primeira Página. Ela não é palpável de um dia para o outro, não dá suporte a uma campanha publicitária, embora seja a única que de fato possa apresentar um produto de qualidade superior. Diante dessa mudança, só aparentemente simples, muito do que tem sido feito parece destinado apenas a adiá-la mais uma vez.


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