Folha de S. Paulo


Se beber, não faça merda

Victor Moriyama/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL, 19-02-2017: Carnaval de Rua no bairro da Vila Madalena, zona oeste da capital paulista, foi tomada pela musica funk. (Foto: Victor Moriyama/Folhapress, COTIDIANO) ***EXCLUSIVO FOLHA***
Carnaval de Rua no bairro da Vila Madalena, zona oeste da capital paulista

De todas as saudades que tenho da vida de solteira, levar passada de mão na bunda, nos peitos, ter beijo forçado, a cintura agarrada, os cabelos puxados, não estão entre elas. E a época em que eu e a maioria das mulheres mais enfrenta esse tipo de situação é durante o Carnaval.

No meio da multidão tem um bando de cara decente que não pegaria na mão de uma garota sem pedir licença, mas tem também uma horda de brucutus, que não precisa de fantasia ou de tacape para encarnar o homem das cavernas. Aquele tipo que parece ter ficado um ano numa ilha deserta sem ver bebida e mulher. O que ele faz no Carnaval? Ele abusa das duas coisas. E quanto mais cachaça, mais ele se acha no direito de agir como o ser mais babaca do mundo.

Não é de se surpreender que para metade dos homens, lugar de mulher "direita" não é em bloco. Como eu disse, brucutu, mas ele pode ser aquele baita amigo, um colega querido, o irmãozinho paz e amor. Abduzidos por uma mistura explosiva de álcool, testosterona e a cumplicidade covarde dos amigos, vão deixar o bom senso em casa e azucrinar a vida das pessoas.

Não é porque estou no bloco, vestida de oncinha, porque bebi demais, que estou altinha, que pareço facinha, que estou disponível. Não é porque sorri, joguei charme, porque dei papo, dei trela, que quero dar para você. Com álcool e drogas na cabeça tudo que parece pode não ser. Não é porque dançamos juntos que está liberado você passar a mão no meu corpo, segurar meus braços, me beijar no tranco, forçar minhas pernas para o lado para se acomodar entre elas. Não.

Não é porque abusei da catuaba, de chá de pilha, que você pode me empurrar para dentro de um táxi, me levar para sua casa, tirar minha roupa, enquanto tudo que preciso é de chá de boldo ou glicose na veia ou proteção para vomitar em paz. Alguém que me ajude a achar meus amigos, chegar em casa sã e salva, e à minha cama, sozinha.

Não é o que acontece sempre. É enorme a quantidade de histórias de garotas que foram assediadas, abusadas, estupradas, porque estavam vulneráveis. Álcool e drogas estão relacionados a uma quantidade assustadora dos casos de abusos, cometidos por pessoas em quem a mulher mais confiava. O marido, o namorado, o amigo, o colega de trabalho, o boa pinta da balada, o pirata do bloquinho.

Não, não e não. Isso não pode acontecer.

Beber não pode ser desculpa para nenhum tipo de comportamento medieval. Fazer rodinha em volta de uma garota e obrigá-la a beijar um imbecil que não tem talento para conversar e despertar naturalmente o interesse de uma mulher não é só covardia, é atestado de incompetência.

Não ter sensibilidade para entender que uma mulher sem capacidade de andar normalmente, falar, esboçar reação, inclusive para dizer não, não tem a menor condição de fazer sexo, é canalhice, é mau-caratismo.

Transar com uma mulher desacordada, mesmo que ela seja sua namorada, sua mulher, mãe de seus filhos, só tem um nome: estupro. Se ela não está sã, é estupro. E perceber que uma garota está nessa situação com outro homem e não fazer nada é conivência.

Todo mundo vai beber muito, é bobagem pedir que seja com moderação. Sendo assim, não dirija, não seja babaca e não faça merda. A humanidade agradece.


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