Folha de S. Paulo


Tudo pode dar errado. E é assim mesmo

Se você está lendo este texto hoje é porque eu não entreguei a coluna ontem, quinta (20). A vida deveria funcionar como um relógio quando a gente tem compromissos. Eu vou ticando tudo no caderninho, comemoro e brinco que vou me embriagar até constranger pessoas.

Na semana passada deu tudo certo. Nesta semana, não. O problema é que a gente até sabe que a vida é feita de dias em que o pão cai com a manteiga para cima e outros em que ele cai virado para baixo. Muitas vezes, eu dou uma assopradinha, bato um guardanapo em cima e como mesmo assim. O que não mata engorda. Me julguem.

Mas tem dias em que você encheu o pão com o mais delicioso queijo de cabra, com geleia de framboesa, e o bendito resolve deslizar de sua mão e cair em cima do sapato. Você pega aquele torrada deliciosa que agora parece ter sido atropelada por um caminhão e vê um fio de cabelo, seu provavelmente, pendurado na gosma do queijo com a geleia. Lixo.

Na vida é assim. Tem dias que a gente dá uma assopradinha e bola pra frente. Mas tem outros em que a gente fica desconsolado, olhando para a torrada no lixo e o sapato todo cagado. Por que?

É um aprendizado constante lidar com frustrações. Eu sempre acho que da próxima vez vou tirar de letra. Ou que as coisas que dão errado vão me afetar menos, mas quando isso acontece me sinto como uma garotinha de oito anos.

Quero me trancar no quarto, ficar deitada no escuro, sem lavar o cabelo, com pena de mim mesma. Só vou me achar ainda mais miserável do que estou porque poucas coisas na vida deixam a gente com a aparência pior do que cabelo sujo.

A diferença entre mim e essa garotinha é que quando o pior passa, consigo ter equilíbrio pra entender como tudo funciona. No momento em que a gente está emburacado parece que o pior vai durar para sempre.

Não dura. Mas nem sempre a gente consegue ver isso claramente porque estamos focados demais em curtir nossa dor. Pode ser qualquer uma. Já achei que iria morrer de dor de cabeça, de barriga, de nervoso ou de amor.

Sim, tem coisas que não dependem apenas de nós para que sejam resolvidas. E isso não tem jeito. O jeito é focar no que a gente tem controle, mesmo que seja a forma como lidamos com os problemas.

Sou completamente a favor de momentos de tristeza e luto. Não acredito em gente que não vive o lado ruim da vida. Faz parte perder emprego, levar pé na bunda, ser traído, chover nas férias, furar o pneu, não caber no vestido, não ver a noiva entrar, não ser convidado, ser esquecido, não ter grana, perder o voo, chegar atrasado, ficar doente.

Mas para cada um dessas chatices da vida, tem a parte boa. Um dia todos os sinais estão abertos, para de chover na hora da noiva entrar, alguém liga, te leva um remédio, manda uma salada, lembra do seu aniversário, te espera para ir embora, te dá colo, faz você rir.

Ontem, foi um dia péssimo. Mas hoje, acordei, tomei banho, lavei o cabelo ensebado e sentei aqui para escrever. Dividir o que acontece com a gente também ajuda.

Ainda não sei se alguma torrada vai cair com o queijo e a geleia para baixo, mas resolvi que se acontecer, vou dar uma assopradinha e comer mesmo assim, porque hoje nada vai me colocar para baixo. Só preciso me lembrar que tem dias que tudo pode dar errado. E é assim mesmo.


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