Folha de S. Paulo


Podemos ter 20 anos por muito mais tempo

"A gente está vestida igual a estas adolescentes", cochichou uma amiga dentro do trem lotado.

"Não tira os óculos, faz cara de blasé. Todo jovem tem essa cara de entediado."

"E, pelamordedeus, ninguém fala alto que tá louco pra ver New Order. "

Nos olhamos. Todas de shortinho. A Cris de camiseta de caveira. Lauroca com uma camisa xadrez amarrada na cintura. Botas rock'n'roll pra Carlota e pra Chris com H. Eu com um símbolo paz&amor no peito. Socorro, de onde veio essa roupa.

Rimos, todas. Nos sentimos mais jovens. Somos jovens. Continuamos jovens.

O trem chegou à estação Autódromo. Saída apressada. Todo mundo no mesmo ritmo, na mesma cadência. Lata de cerveja em uma mão, flyer da programação na outra. Temos que escolher, não dá para ver tudo. Vamos andar horrores. Vamos. Somos jovens.

Com a minha idade, meus pais já tinham três filhos adolescentes e casa própria. Dali pra frente era ladeira abaixo. Netos, aposentadoria, plano de saúde em dia, quem sabe morar na praia. Você passava de uma idade e a vida automaticamente lhe dava um sossega-leão. Ficar velho era compulsório. Com perda total de direitos.

Mas eu ainda posso, ainda quero, ainda tenho outros planos. Desculpe, meu velho. Não é uma escolha.

Agora é. A gente pode envelhecer sem ficar velho. Difícil, mas dá. A idade chega, mesmo que a gente não sinta.

Vida, espere. Ainda não. Só mais um pouco, tenho tanto pra viver antes de tanto pra fazer.

O tempo nos cobra todo dia que o dia chegue. O dia do envelhecimento compulsório. O dia do 'isso não fica bem'. O dia que você vira velho pra fazer as coisas que os jovens fazem. A vida fica ali nos rondando, nos testando, esperando que a gente jogue a toalha.

Vem, tá na hora, não pede demissão, compre um plano de previdência, dê entrada num apartamento, parcele em 30 anos, esse cara é pra casar, os filhos não podem mais esperar.

A gente sabe de tudo isso. Nem sempre está pronto - ou quer. Troca a entrada do apartamento de 30 metros quadrados por um mochilão no Vietnã. Quem sabe um retiro espiritual no Butão. É isso. Meu espírito precisa encontrar a tranqüilidade. Assim que eu aprender a meditar o meu lado espiritual vai se conectar com os anos do meu corpo meio cansado.

Meio.

Fica pra depois do Lolla 2015. Ainda tem o Coachella. Acho que ainda dá pra encarar a lama de todos os anos do Glastonbury. Preciso ver Depeche Mode em qualquer lugar antes de aprender a meditar. Antes de a alma acalmar. Antes do corpo pedir arrego.

Vida, espere.

Ano que vem pode ser. A gente se reúne em frente à TV pra ver os shows. Talvez metade das bandas sejam tão novas que a gente nem conheça. No ar condicionado. Tudo sem perrengue. Perrengue é coisa de jovem. A gente tá quase pronto pro sossega-leão.

Quase.

To numa ressaca filha da puta, me escreveu Carlota. Ressaca, e filha da puta, numa segunda-feira de manhã é coisa de gente jovem. A gente ri.

E, então, eu me pego cantando baixinho, enquanto entro no avião que vai me levar pra casa...

I feel fine and I feel good
I'm feeling like I never should
Whenever I get this way, I Just don't know what to say
Why can't we be ourselves like we were yesterday

Vida, espere. Não me cobre, tudo ao seu tempo, aos novos tempos. Hoje a gente pode ter 20 anos. Mesmo aos 40.


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