Folha de S. Paulo


Infraestrutura brasileira tem muito a ganhar com visita do premiê chinês

O lote de capital posto à disposição do Brasil pela China durante a visita do premiê Li Keqiang é sem dúvida uma contribuição importante ao fortalecimento da infraestrutura no País.

Conjunturalmente, o ajuste fiscal brasileiro restringe novos comprometimentos orçamentários e, mesmo antes da bagunça macroeconômica dos últimos anos, o Brasil já vinha com uma taxa média de investimento em torno de apenas 16% do PIB, nível bastante abaixo dos países emergentes mais dinâmicos.

Assim, capital chinês voltado à infraestrutura é muito bem-vindo. Com ele, a China aumenta seu papel como investidor no Brasil em ao menos três modalidades.

Existe o aporte direto de companhias chinesas que estão comprando grande número de ativos empresariais brasileiros. Este tem sido um exemplo bem comum em diferentes elos da cadeia produtiva do agronegócio ou da energia, como enriquecimento de sementes ou painéis fotovoltaicos. Isso configura transferência de propriedade e, às vezes, desnacionalização, mas é um processo que geralmente vem acompanhado de novos investimentos na planta produtiva.

Há também o investimento do tipo "greenfield" em atividades essencialmente novas, como a montadora de veículos Chery, que se instala no Estado de São Paulo.

Disponibilizam-se igualmente recursos por parte de uma instituição de fomento chinesa como o Banco Industrial e Comercial da China (ICBC), que está criando um fundo de US$ 50 bilhões acessível por meio de instituições brasileiras. É este tipo de aporte de capital que aparentemente se orientará para financiar uma linha ferroviária da costa brasileira no Atlântico até a costa peruana no Pacífico a fim de reduzir custos de exportações para a China, ou ainda viabilizar um empreendimento conjunto para produzir aço no Brasil.

Para a China, é estratégico garantir que a América Latina pode cumprir seu papel como provedora das commodities agrícolas e minerais de que os chineses tanto necessitam.

Com esse intuito, a China irrigará com pesados recursos a fraca infraestrutura desses países. Pequim dimensiona pragmaticamente seus interesses na região, ou seja, a América Latina é primordialmente fonte de matérias-primas e destino seguro para suas exportações de bens manufaturados.

A grande parte das contrapartidas exigidas vem na forma de abertura para acesso prioritário chinês a energia, mineração, transporte, agropecuária e outros setores-chave. O acordo-quadro firmado entre China e Argentina em março último ilustra bem o ponto.

Muitos acreditam que a estratégia chinesa de investimentos na América Latina não comporta muitas diferenças de país a país. Argumenta-se, por exemplo, que a China já vem mantendo esquemas semelhantes ao que se anuncia para o Brasil em países como Equador ou México. Não é bem assim. São casos muito diferentes do Brasil, seja por conta da escala, seja pelas especificidades do modelo de inserção de cada um desses países na economia global.

No caso do Equador, o país é essencialmente sustentado pela exploração de bens primários. Não se pode compará-lo com o Brasil, que apresenta uma ainda pujante força de empresariado industrial, apesar de desnacionalizado e cada vez menos competitivo. Nesse sentido, o Equador é muito mais vulnerável que o Brasil a uma redução do apetite da demanda chinesa por matérias-primas ou mesmo à queda generalizada do preço internacional das commodities nos últimos anos.

O Brasil ainda é a segunda maior economia emergente, menor apenas que a China, embora deva perder este posto para a Índia nos próximos anos.

Já no que diz respeito ao México as motivações do investimento chinês são diferentes. Na condição de membro do NAFTA (Acordo de Livre Comércio da América do Norte) e associado a tratados econômicos com a União Europeia em diferentes setores, o México tende a atrair capitais chineses que buscam acesso privilegiado a esses mercados mais maduros.

A expectativa dos chineses é a de que, ao instalarem plantas produtivas no México, suas exportações a partir deste país sejam tratadas como exportações mexicanas. A natureza do investimento chinês no Brasil é bem distinta, pois a maior parte do aporte de capital em empresas não visa fazer do Brasil uma grande plataforma de exportações, mas sobretudo focar-se na provisão ao mercado interno brasileiro.

Ainda assim, as relações econômicas Brasil-China mudam num certo sentido a partir da visita de Li Keqiang. A arremetida chinesa à condição de superpotência econômica deveu-se à irrepreensível implementação de um projeto de "nação comerciante".

Ao longo desse processo, havia um notável descompasso entre a hipertrofia comercial da China — atualmente a maior exportadora e importadora do mundo — e seu papel menos incisivo como grande fonte de investimentos estrangeiros diretos. Portanto, o Brasil passa agora a contar com a China também como ponto de partida de capital para investimentos.

Já da perspectiva da composição orgânica do comércio bilateral (exportações brasileiras de produtos primários vs. exportações chinesas de bens de maior valor agregado), não haverá muitas mudanças.

Há também um preço a pagar com esta parceria. O Brasil amplia sua filiação internacional à economia chinesa e afasta-se proporcionalmente dos tradicionais centros provedores de liquidez e IEDs. E, no limite, vê seu papel como centro irradiador de poder na América Latina diminuído ante o avanço da influência chinesa.


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