Folha de S. Paulo


A Petrobras é a nossa Ucrânia

Quando 2014 começou, a conjuntura ofereceria parada dura para os emergentes. A balança penderia para os ricos.

No entanto, a zona do euro e o Japão fecham o ano em estagnação. Apenas EUA e Reino Unido "reemergem", expandindo-se a mais de 3%. Nos emergentes, China e Índia se destacam.

Juros praticados pelos mais ricos, depreciados para combater sequelas da Grande Recessão de 2008, tendem a subir. Embora o Fed indique "paciência", com tal viés de alta gradual a liquidez internacional já reflui aos EUA.

A estrutura também mudou. A China 2.0 (intensiva em tecnologia) e o fortalecimento das cadeias globais de valor e conhecimento projetam menor importância para produtores de commodities.

Retorna a constatação de que Prebisch, pai do estruturalismo cepalino, estabeleceu nos anos 1940: o preço das matérias-primas tende a erodir-se ao longo do tempo ante bens de maior valor agregado.

Petróleo e minério de ferro dramaticamente mais baratos ilustram o ponto.

Esse quadro tornou-se mais complicado para países que não enveredaram por reformas. Não bastasse conjunção de fatores adversos, alguns mergulharam em catástrofes autoinfligidas. Os mais decepcionantes, pela escala ou potencial, são Rússia e Brasil.

Moscou lançou-se à reedição das esferas de influência com intervenções na Ucrânia e a anexação da Crimeia. Aventura de elevado custo –e a Rússia não apresenta condições de bancar nova Guerra Fria.

O ministro do Desenvolvimento russo orça o custo administrativo anual de assumir a Crimeia (infraestrutura, funcionalismo, assistência) em US$ 4,5 bilhões. Modernização mínima das geradoras de energia na península exige US$ 2 bilhões. Integração rodoviária à massa territorial russa mais US$ 7 bilhões.

Para saldar despesas da aventura na Ucrânia, Moscou já meteu a mão em US$ 7,2 bilhões dos fundos de pensão russos. Some-se o orçamento militar de encampar a Crimeia e supostamente apoiar forças separatistas no leste ucraniano.

O ônus direto da aventura na Ucrânia parece pequeno diante da desventura brasileira com a Petrobras. Em 5 anos evaporaram US$ 300 bilhões do valor de mercado da empresa. Sua dívida em dólares hipertrofiou-se. O viés populista da política de preços da companhia e seu uso como ferramenta de protecionismo industrial trouxeram perdas inestimáveis de recursos e tempo.

Para a economia russa, há ainda o impacto das sanções impostas por EUA e União Europeia –e o fardo da perda de confiança e previsibilidade. Hoje, os mais otimistas estimam recessão de 3% para os russos em 2015.

Os estilhaços da má governança da Petrobras também se espalham sobre a reputação do Brasil e suas companhias, especialmente as que atuam globalmente.

Nesses casos, a lentidão é inimiga da perfeição. Quanto mais rápida for a faxina, menor será a tentação de comparar custos de erros estratégicos e corrosão moral centrados numa grande empresa aos de um conflito internacional de perigosas proporções.


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