Folha de S. Paulo


As tarifas e o circo infeliz

Jales Valquer/Fotoarena/Folhapress
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o prefeito João Doria durante evento na capital

Difícil imaginar uma sequência mais infeliz de decisões que a sobre tarifa de ônibus em São Paulo no último mês. A tarifa atual é menor do que o custo do transporte graças ao subsídio dado pela prefeitura: R$ 2,6 bilhões em 2016.

O subsídio da tarifa beneficia todos os passageiros, não apenas os mais pobres, e reduz os recursos disponíveis para as demais políticas públicas.

Famílias de baixa renda não têm, necessariamente, as mesmas carências. Algumas moram longe do trabalho e se beneficiam da menor tarifa; outras, porém, precisam de alimentação ou cuidados especiais. Uma opção seria extinguir o subsídio e igualar a tarifa ao custo do transporte. Os recursos públicos poupados poderiam ser utilizados em políticas exclusivamente destinadas às famílias de menor renda.

Pode-se, por exemplo, adotar um programa de renda mínima. As famílias carentes que utilizam transporte público seriam compensadas pelo fim do subsídio. As que não utilizam teriam renda adicional para comprar os bens e serviços que julguem mais necessários.

Essa foi a motivação do Bolsa Família. Na época, havia diversos programas que subsidiavam o consumo de bens específicos, como Vale-Gás, Vale-Alimentação e Bolsa Escola. Os programas foram unificados e os recursos, transferidos diretamente às famílias mais pobres, que passaram a escolher como gastar essa renda adicional em função das suas necessidades específicas.

Nos países de renda média com significativa desigualdade, as políticas que focalizam as famílias mais pobres são, em muitos casos, socialmente mais justas do que subsídios universais.

Na campanha, o novo prefeito de São Paulo prometeu não reajustar as tarifas. Como os custos de transporte subiram, manter as tarifas implica aumentar o subsídio em tempos de crise fiscal.

Depois da eleição, não foi bem assim. Foi mantida a tarifa para quem apenas utiliza ônibus. Em decisão conjunta do prefeito e do governador do Estado, foram reajustadas as tarifas de integração entre ônibus, metrô e trem.

A emenda foi pior do que o soneto. O bilhete integrado é utilizado pelos passageiros que têm que percorrer longas distâncias, muitas vezes moradores de menor renda da periferia. A decisão agravou a iniquidade social do subsídio.

Por mais criticável que seja, porém, trata-se de uma decisão da alçada do Poder Executivo.

A essa decisão infeliz seguiu-se uma terceira, desta vez do Judiciário. Uma liminar cancelou o ato do Executivo, questionando o mérito da decisão, não a sua legalidade.

Mas se o Judiciário passa a deliberar sobre a gestão pública, para que mesmo servem as eleições?


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