Folha de S. Paulo


Gestores de recursos e investidores não falam a mesma língua

Nesta semana, trago mais alguns trechos colhidos de relatórios enviados por gestores profissionais aos cotistas de fundos de investimento em uma tentativa de prestar contas da política que norteia as aplicações do patrimônio do fundo.

Ainda há um grande distanciamento entre a linguagem dos gestores profissionais e a que o investidor, mesmo o mais qualificado, compreende.

"Trabalhamos para obter geração de alfa buscando múltiplas fontes de valor, tais como: ganhos de capital com gestão ativa, escolha de indexador, exploração de oportunidades de arbitragem das falhas de informação de mercado."

Ou "adotamos a recomendação 'overweight' em relação aos títulos indexados à inflação".

GESTÃO ATIVA E PASSIVA

Todos os fundos de investimento distribuídos no mercado têm um objetivo de investimento —aonde querem chegar— e uma política de investimento —como o gestor pretende chegar lá.
Alguns fundos têm um objetivo claramente definido, o de acompanhar a variação de determinado indicador de mercado.

Os fundos de renda fixa DI, por exemplo, devem necessariamente acompanhar a flutuação da taxa de juros de mercado. Os fundos cambiais devem entregar ao cotista um desempenho equivalente à variação cambial da moeda estrangeira. A carteira de um fundo de ações índice deve ser uma cópia da carteira teórica desse índice.

Todos os fundos citados são exemplos de gestão passiva, na qual o gestor se limita a montar uma carteira com a maior aderência possível ao índice de referência ("benchmark"), sendo impedido de executar outra estratégia que julgue mais adequada no momento.

Os fundos de gestão ativa são menos previsíveis, mais arriscados, já que não pretendem meramente acompanhar um indicador financeiro.

Eles têm o desafio de superar esse parâmetro e, para isso, assumem mais risco, de acordo com as expectativas do gestor em relação aos diversos mercados, em busca de melhor retorno. Sempre obedecendo ao mandato outorgado pelo investidor, definido em seu regulamento.

Editoria de Arte/Folhapress
Ilustração Marcia Dessen
Ilustração Marcia Dessen

'OVERQEIGHT'

Suponha que a política de investimento de um fundo de gestão ativa limite em 10% do patrimônio a exposição em índices de inflação.

Com base em boa expectativa de retorno, o gestor recomenda uma posição acima do limite estabelecido, ou seja, ficar "overweight" em inflação.

Essa linguagem também é muito utilizada em investimentos no mercado de ações.

Suponha um fundo de ações que busca acompanhar determinado índice de mercado cuja carteira teórica detém 5% em papéis do setor de energia. Se o gestor compra 7% da carteira em ações de empresas desse setor, a carteira está "overweight" em energia.

ALFA

Para valorizar seu desempenho e demonstrar o valor agregado por sua competência, os gestores costumam dizer que estão "gerando alfa". A letra grega indica uma rentabilidade superior ao parâmetro de mercado, com a mesma quantidade de risco.

Para exemplificar uma situação de "alfa", suponha que o desempenho de uma carteira foi de 6% em um período em que o Ibovespa (principal índice da Bolsa brasileira) subiu 4%.

Se o risco das duas carteiras for equivalente, o gestor entregou alfa de dois pontos percentuais. Em outras palavras, 4% da valorização foi proporcionada pelo mercado e 2% dela foi adicionada pela escolha seletiva e competente do gestor.

ARBITRAGEM

Em um mercado eficiente, o preço de uma mercadoria, somado os custos de transação, deve ser o mesmo em qualquer lugar do mundo.

Utilizando a cotação do dólar como exemplo, se a moeda estiver cotada a R$ 2,00 em São Paulo e R$ 2,50 no Rio de Janeiro, seria possível comprar dólares em São Paulo e viajar para o Rio de Janeiro para vendê-los por R$ 2,50. O lucro fácil de R$ 0,50 por dólar seria suficiente para pagar o custo da viagem e deixar um bom ganho de capital para o investidor.

Evidentemente que outros investidores serão atraídos pela oportunidade e a pressão de compra em São Paulo fará o preço subir.

A pressão de venda dos dólares no Rio de Janeiro deve pressionar o preço para baixo. O movimento de ambos os lados força o mercado a encontrar um ponto de equilíbrio que anula a possibilidade de comprar barato em São Paulo e vender caro no Rio de Janeiro.

Essa é a estratégia de arbitragem utilizada por alguns fundos que tentam se beneficiar da oportunidade breve oferecida por uma momentânea ineficiência do mercado.

Antes de investir em modalidades mais sofisticadas de investimento, procure saber mais a respeito das estratégias e dos riscos envolvidos. E não hesite em buscar esclarecimentos junto ao administrador e gestor dos fundos no qual investe.

Afinal, eles são remunerados por você —mediante pagamento da taxa de administração— para prestar o serviço de investir o seu dinheiro, por sua conta e risco.


Endereço da página: