Folha de S. Paulo


Ferida que não sara

Apenas três pessoas são homenageadas com um feriado nacional nos Estados Unidos: Cristóvão Colombo, o descobridor da América, George Washington, herói fundador do país, e Martin Luther King, o líder negro de direitos civis assassinado em 1968.

Na última segunda (18) foi o dia de "Dr. King", como ele era conhecido. Em homenagens ao redor do país, trechos de seus discursos foram lidos como mantras, pregando a igualdade entre negros e brancos. Mas na comunidade negra, o sonho proclamado por King em seu famoso discurso ainda parece muito longe.

A eleição de Barack Obama como o primeiro presidente afro-americano em 2008, 40 anos após o assassinato de King, é motivo de enorme orgulho para a maioria dos negros, mas pouco mudou no dia a dia de discriminação.

Obama foi um fenômeno único, no momento certo, mas que nem de longe indica uma movimento de alta na representação política dos afro-americanos. Entre os pré-candidatos à sucessão de Obama, há apenas um negro, o ex-neurocirurgião Ben Carson, que tem chances mínimas e escolheu o lado que a maioria dos afro-americanos tende a evitar quando vai às urnas, o dos republicanos.

Quase metade dos presos nos Estados Unidos é formada por negros, embora eles constituam 13,2% da população. Entre os pobres, 27% são negros. A frieza dos números arrepia quando confrontada com a realidade dos perdedores.

"O racismo hoje não é tão aberto como antes, o que muitas vezes é pior", diz o cozinheiro Anthony, 53, que não conheceu o pai e cresceu na pobreza em Washington quando a capital norte-americana era conhecida pela violência. "As coisas melhoraram, mas ser negro continua sendo uma desvantagem, além de alvo permanente da polícia."

Casos recentes de violência policial contra negros mantiveram em ebulição o ressentimento predominante. Ele vai dos guetos ao tapete vermelho de Hollywood, como mostra o boicote ao próximo Oscar em protesto contra a "brancura" da premiação.

Em Washington, bem perto da Casa Branca, o Museu de História Americana exibe posters da década de 1960 que ilustram a campanha pelo direito ao voto, liderada por Luther King. "Dê-nos a cédula [de voto]", pediu King, em outro de seus discursos famosos.

Mas o problema resiste a ser só peça de museu. Cinquenta anos depois da histórica aprovação da Lei de Direito ao Voto, que baniu práticas eleitorais discriminatórias, continuam frequentes as tentativas de limitar o acesso às urnas. Desde 2010, 21 Estados aprovaram medidas que tornam o voto mais difícil, atingindo especialmente as minorias, como os negros e os hispânicos.

O colunista ANDRÉ SINGER está em férias.


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