Folha de S. Paulo


Diálogo de surdos

Não é a hora de dividir o país ainda mais, começou o presidente da Comissão do Impeachment, Rogério Rosso (PSD-DF). Num bom discurso, que reitera sua atuação equilibrada, cortês e pacificadora nesse plenário explosivo, Rosso abriu a sessão decisiva desta segunda-feira (11), pedindo calma a todos.

Votava-se o relatório de Jovair Arantes (PTB-GO), recomendando o afastamento de Dilma Rousseff. Jovair resumiu seus argumentos, depois de lembrar –com exatidão jurídica mas certa abstração das condições políticas reais— que o relatório apenas defende a ideia de que é admissível abrir um processo (a realizar-se no Senado), sem propor, formalmente, um veredito condenatório.

No final de sua exposição, o relator foi mais incisivo politicamente: trata-se de um governo arrogante, autoritário, que se recusa a dialogar com o Congresso. Tinha razão, ainda que "diálogo" devesse ser, idealmente, algo diverso do que gostaria Eduardo Cunha.

José Eduardo Cardozo, ministro da Advocacia Geral da União, usou das clássicas técnicas dos tribunais de júri. A voz baixava; pausas sorumbáticas antecediam relâmpagos indignados, teses do adversário eram admitidas inicialmente para serem despedaçadas (será?) com gestos no ar.

O defeito desse admirável esforço, como sempre acontece com Cardozo, é querer transmitir convicção com um semblante que, antes de tudo, parece ser de profundo mau humor.

"Só vou analisar, hein, o que está na denúncia..." disse Cardozo, ironizando os argumentos do relatório. Mas Jovair Arantes, prosseguia o petista, fez mais do que isso. "Não podemos desconsiderar as denúncias da Lava Jato", dizia o relatório dele. Ora, isso introduz acusações que não foram explicitadas.

Todo o processo seria nulo, portanto. É o princípio da "instabilização da defesa": não há como se defender quando não sabemos exatamente do que somos acusados.

Bem, diríamos ironicamente, isso é uma inocência e tanta. O bate-boca se instalava. Nulidades processuais são decisivas, avançava Cardozo. É como se o relatório dissesse: "alguém morreu, parece que morreu, não sabemos se morreu", defendendo ao mesmo tempo que, na dúvida, processe-se o acusado por homicídio.

"Morreu! Morreu!" gritava o plenário. No quadrinho do canto, a tradutora para surdos-mudos fazia gestos: tampava os ouvidos, batia os cinco dedos de uma mão na outra, significando "patavina".

Era um diálogo de surdos, realmente. Henrique Fontana (PT-RS) estava apoplético. O verdadeiro tanque de combustível que é o deputado Carlos Marun (PMDB-MS), pedia calma.

José Eduardo Cardozo encerrou seu discurso em grande estilo. A história não perdoa os que atentam contra a democracia, bradou. E se o impeachment prevalecer, o fato será lembrado como "O Golpe de Abril de 2016".

Petistas levantaram-se para aplaudir. Os cartazes vermelhos e os verde-amarelos se levantaram. Estes compunham, naquele momento, forte maioria no plenário.

Depois de algumas horas de questões de ordem totalmente fora de ordem e em completa desordem, o debate se elevou politicamente com os pronunciamentos dos líderes de bancada.

Sem muito charme pessoal, Antonio Imbassahy (PSDB-BA) fez um discurso contundente, mostrando as incoerências do PT em sua história –como ter apresentado inúmeros pedidos de impeachment contra FHC, antes de chamar de golpe a tentativa atual. A presidente Dilma "está desenganada", afirmou, e o país que se "alarma" é "um país que está vivo".

As pedaladas, continuou Luiz Carlos Busato (PTB-RS), parecem até pouco depois de tudo o que o PT fez. "Só que não", completou. Fernando Francischini (SD-PR) fez a pergunta: a Polícia Federal será golpista? O procurador-geral da República? Os milhões de brasileiros? Sobrou alguém que não seja golpista? "Só eles", ironizou.

A dúvida, e ainda faltava muito tempo para que fosse resolvida, era saber quantos são.


Endereço da página: