Folha de S. Paulo


Escravos mecânicos

Pelo andar das negociações do Google, Android logo deixará de ser apenas um nome-fantasia de um sistema operacional para se tornar uma categoria bem abrangente de robôs. No ano passado, o gigante da busca comprou oito empresas fabricantes de autômatos, incluindo alguns dos líderes na área.

No discurso oficial, o presidente-executivo Larry Page diz que o objetivo da empresa é usar a tecnologia para livrar os seres humanos da realização de tarefas repetitivas. É bonito, mas causa uma natural suspeita quando vindo de uma empresa hegemônica, tamanha sua influência sobre a coleta de informações, e-mail, aplicativos na nuvem, sistemas operacionais e mapas. Com a promessa de veículos autônomos, óculos, termostatos e drones, o Google parece levar sua coleta e análise de dados para além da web, computadores, celulares e tablets.

Derivada de "trabalho servil" na língua tcheca, a palavra Robô, desde sua popularização, deixa claro que são máquinas de uma casta inferior aos humanos, dedicados a fazer o que não somos capazes ou não temos vontade de fazer.

Mais rápidos, fortes, precisos, resistentes e incansáveis, eles parecem ter vindo para humanizar muitas das ocupações desumanas. Mas esqueça R2D2 e C3PO. Os novos criados utilizam inteligência artificial e aprendizado de máquina para realizar tarefas muito mais sofisticadas.

Entre as novas máquinas do Google há humanoides articulados, quadrúpedes capazes de correr mais do que Usain Bolt, bestas de carga que levam até 200 kg por terrenos irregulares, membros artificiais, câmaras com visão tridimensional capazes de identificar e interagir com os objetos em volta, carrinhos que se movem em todas as direções, cabeças de bonecos com expressões faciais e gruas de movimento complexo como as do filme "Gravidade".

Alguns desses Robocops metem medo. O Atlas é um brutamontes de quase 1,90 m, praticamente indestrutível, capaz de dirigir carros e andar em terrenos irregulares. Ele vem da Boston Dynamics, que tinha como principal cliente a DARPA, braço de pesquisa tecnológica do Pentágono, e que também desenvolve ferramentas para simulação de comportamento humano e treinamento policial digno da Skynet, a inteligência artificial do mal que controlava os exterminadores do Futuro.

O Google é só uma das empresas que investe na tecnologia. Queira ou não, os robôs chegaram para compartilhar do nosso espaço social, semi-independentes e autômatos, invisíveis, sub-humanos, uma casta superior aos microondas, máquinas de lavar e elevadores.

Ainda rimos dos máquinas atrapalhadas que fazem coisas inúteis, como o Cubinator, que resolve cubos Rubik, o StarKick, que joga futebol de botão e o Snakebot, que se move como uma cobra.

Mas esses são brinquedos. Em ambientes mais agressivos, como o mar, Robôs vem sendo cada vez mais úteis. O Seaswarm é utilizado para limpar manchas de óleo no oceano, o E.M.I.L.Y. é um salva-vidas com quase 80 mil resgates no ano passado e o DepthX pretende mapear cavernas e terrenos alagados ou submarinos.

Robôs ainda são primitivos. Sua locomoção é pouco mais sofisticada do que a de um bebê de um ano de idade, e sua inteligência é ainda mais primitiva. Mas estão avançando rapidamente.

Uma das áreas que verá as maiores mudanças é a de serviços. O Baxter é um robô projetado para trabalhar com humanos. No lugar da cabeça ele tem um monitor que reproduz expressões faciais para indicar seu estado, e tem várias câmaras e sensores para monitorar o ambiente ao seu redor, paralisando sempre que houver risco de impacto.

Seu aprendizado é similar ao humano, baseado em exemplo e imitação, e leva cerca de 10 minutos sem a necessidade de programação. Vendido a US$ 22 mil e capaz de trabalhar por semanas a fio e trocar de tarefa quando necessário, não demorará para ser visto fritando hambúrgueres, operando caixas e fazendo a faxina.

Robôs, enfim, poderão nos liberar de trabalhos maçantes, como prometeu o presidente-executivo do Google. Resta saber se esta liberdade se dará nos termos com que o computador e o smartphone nos libertaram do mundo analógico, ampliando o horário de trabalho para além dos limites do tolerável. Ou se essa liberação será para uma ociosidade mórbida, autoindulgente, de consumo dos próprios vícios, como nos mostra o apego mórbido às mídias sociais e videogames.

Sempre há uma terceira via, que promete nos libertar para investirmos em cultura e cidadania. Mas em tempos de Carnaval é difícil acreditar nela.


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