Folha de S. Paulo


Ah, a velhice...

"Essa coisa de ficar velho é uma merda. Só pode ser louco quem acha que é a melhor idade".

Esta afirmação tão realista quanto contundente foi proferida pelo ator Walmor Chagas no final do ano passado, durante entrevista sobre participação em um filme.

Tudo indica que o grande ator de teatro, cinema e TV não tenha suportado o peso da idade, tirando a própria vida na sexta-feira com um tiro na cabeça --hipótese praticamente confirmada pela polícia enquanto escrevo estas linhas.

Walmor era o tipo de ator clássico, no teatro preenchia os espaços do proscênio com sua figura altiva e seu vozeirão possante. Foi aclamado nos papéis que desempenhou e está inserido na história da dramaturgia brasileira.

Por outro motivo não fosse, fez história ao lado da então mulher, a grande Cacilda Becker, na última aparição desta no papel de Estagon em "Esperando Godot", de Samuel Becket.

Era junho de 1969, e Cacilda pronunciou uma das falas emblemáticas do texto becktiano, dizendo "Vamos? Então vamos!", saindo de cena para não mais voltar: teve um AVC na coxia do teatro e morreu 38 dias depois.

Quem me contou que aquela tinha sido de fato a última frase de Cacilda foi o próprio Walmor, numa entrevista em 1979, quando eu fazia uma reportagem sobre os 10 anos da morte da diva.

Lembro-me de um homem tranquilo, olhar profundo, voz envolvente a recordar os momentos vividos em cena antes de Cacilda desfalecer, depois o sofrimento de todos à sua volta no hospital, até o desfecho fatal mais de um mês depois.

Esta entrevista foi daquelas que se fixaram na memória, tanto pela história contada, então inédita, quanto pelo entrevistado, de quem já era fã, sobretudo pelo desempenho em "São Paulo S/A", filme icônico da cinematografia nacional, dirigido por Luiz Sergio Person e brilhantemente protagonizado por Walmor.

Quando li a entrevista do ator no ano passado, salvo engano dada ao crítico Luiz Carlos Merten, fiquei bem triste. Triste mas conformado, afinal a melancolia que abatia aquele que tinha sido um grande das artes cênicas nacionais, par de atrizes brilhantes, galã charmoso e sexy em sua vasta cabeleira branca, não é o que espera por todos nós?

Sim, porque em geral a velhice pode mesmo ser uma merda.

Se é o caso ou não de interrompê-la com uma bala de revólver, isso vai da coragem e do livre arbítrio de cada um. E pano rápido...


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