Folha de S. Paulo


Cargo de presidente dá poder para motivar reformas e corrigir injustiças

Jonathan Ernst/Reuters
O presidente Barack Obama concede primeira entrevista coletiva após vitória de Trump nas eleições americanas, em Washington
O presidente Barack Obama em entrevista após a vitória de Trump nas eleições americanas

O artigo de Barack Obama publicado na "Harvard Law Review" na primeira semana de janeiro mostra como o chefe de Estado pode influir na reforma da justiça criminal.

O sistema custa US$ 80 bilhões por ano aos EUA. É rigoroso demais, repleto de exageros.

Sem maioria no Congresso, mas bom de retórica, Obama foi crítico às desigualdades e eloquente contra a venda indiscriminada de armas, o perfil racista do sistema policial e judicial e a desconcertante quantidade de réus que aprisiona (2,2 milhões) ou marginaliza (6,1 milhões de adultos), sem direito de voto, mesmo depois de cumprida a pena.

Obama não cumpriu promessas (como o fechamento de Guantánamo), mas encerra o mandato com o país registrando o menor número de sentenças de morte desde 1972 e o menor número de execuções desde 1991. É a primeira queda do número de presos federais, sua jurisdição, desde Jimmy Carter (1977-81).

Além de ser o primeiro presidente a visitar, no cargo, o interior de uma penitenciária (2015), implementou programas para reduzir sentenças excessivas e confinamentos solitários. Têm efeito restrito, mas servem de paradigma para Estados. Alertou contra o aprisionamento de jovens. Defendeu a minoração das penas de tráfico. Usou o poder de clemência para corrigir injustiças.

No Brasil, governantes não se diferenciam em matéria de segurança. Toleram ou estimulam o que aconteceu em Manaus e não se incomodam com surrupio de direitos e agravamento de penas. A prisão só interessa no motim e na matança, quando se gesta um "plano" logo esquecido.

Em redes sociais paira indisfarçável euforia pela reação desastrada de Temer ao massacre, à guerra de facções e à miséria que sempre reinventa nos presídios brasileiros a infâmia dos navios negreiros.

O PT assumiu a Presidência da República em janeiro de 2003. Havia pouco mais de 239 mil presos (junho de 2002). No fim do ano seriam 308 mil. O número salta para 622 mil em dezembro de 2014 (última estatística do Ministério da Justiça) –30% de jovens entre 18 e 24 anos.

A Lei de Drogas (nº 11.343/06), do final do primeiro mandato de Lula, é responsável por 28% da população carcerária atual, cerca de 175 mil homens e mulheres. Tem mais gente presa por tráfico do que por roubo (25%). Em relação às mulheres, desde 2005, o encarceramento cresceu em média 10,7% ao ano. A quantidade de presas foi de 12.925 para 33.793.

Nunca se prendeu tanto e, paradoxalmente, durante governos que se definiam como progressistas. Seria diferente se a máquina tivesse permanecido com tucanos ou se transferido antes para pemedebistas? Provavelmente não.

É o Congresso que define a punição de cada delito. Sim, é papel do Judiciário mandar condenados para o cárcere: prende também (40%) sem condenação definitiva, os provisórios. Os governadores administram a quase totalidade dos presídios: são responsáveis, em última instância, pelo descalabro.

Mas o presidente da República pode usar o imenso poder político do cargo para motivar reformas e corrigir injustiças. Por que Temer não reage aos acontecimentos e esvazia os cárceres de mulheres e mães, inutilmente presas por tráfico, no Dia da Mulher, em março? O Brasil precisa de gestos e humanismo.


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