Folha de S. Paulo


Obama está certo: chegar adiantado é tudo de bom

Ethan Miller/Getty Images/AFP
Presidente dos EUA, Barack Obama, durante campanha para candidata democrata Hillary Clinton
Presidente dos EUA, Barack Obama, durante campanha para candidata democrata, Hillary Clinton

Na quarta-feira passada, eu estava sentada no terminal 2 do aeroporto de Heathrow, tendo chegado duas horas adiantada para um voo curto até Dublin. Acomodei-me no restaurante Eat, e estava desfrutando de um porridge e respondendo e-mails quando me deparei com o mais recente comercial da campanha presidencial de Hillary Clinton.

Normalmente, isso é algo que eu teria ignorado, já que a campanha eleitoral norte-americana se tornou tão suja que a única resposta racional é fingir que ela não está acontecendo. Mas porque eu tinha tempo para perder, cliquei no link e lá estava Barack Obama, com uma expressão alerta e divertida em seu bonito rosto, falando para a câmera. "Minha maior qualidade? Provavelmente é estar sempre adiantado".

O presidente norte-americano seguiu adiante explicando que gosta de chegar mais cedo a todas as reuniões, discursos e entrevistas coletivas de que participa. "Meu compromisso para com chegar adiantado não é bom só para mim. É bom para o país. É bom para o mundo". Ao ler essas palavras comecei a menear a cabeça afirmativamente, com tanta força que o homem sentado ao meu lado olhou em minha direção para descobrir o que estava acontecendo.

Chegar cedo tem quase tudo a seu favor. Chegar adiantado faz com que você sinta estar no controle —ou faz com que os outros pensem que é esse o caso, o que é praticamente a mesma coisa. Confere superioridade moral a quem o faz. Se você chega primeiro a uma reunião, não só pode escolher onde quer se sentar como fica em posição de ditar regras a quem chegue mais tarde.

A única ocasião em que ser superpontual não é completamente bom é quando você está chegando para um almoço ou jantar na casa de alguém. Mas quando isso acontece, basta dar algumas voltas a pé pelo quarteirão, o que até ajuda a criar apetite para a refeição que o aguarda.

Chegar adiantado é a característica que define toda a minha família. Meu pai e mãe estavam sempre absurdamente adiantados para tudo. E seus três filhos e 10 netos —mesmo durante as muitas fases da adolescência— são o tipo de pessoa que chega sempre com muito tempo de sobra, qualquer que seja a ocasião.

Que eu saiba, perder um avião é algo que jamais aconteceu a qualquer dos meus parentes diretos. Isso significa, de acordo com Gordon Stiglitz, economista laureado com o Prêmio Nobel de sua disciplina, que estamos administrando nosso tempo mediocremente e passamos tempo demais esperando em aeroportos. Conferi a matemática que supostamente prova essa afirmação, mas ela não me convence.

O tempo que passamos esperando não é desperdiçado. É um tempo que você optou por reservar, e um período de paz que pode ser usado para ler, fazer telefonemas e responder e-mails. Além disso, o estresse de que você escapa por saber que jamais precisará sair correndo por uma correia transportadora carregando malas pesadas, porque o voo está para decolar, tem valor grande demais para que uma simples equação o capture.

Para determinar como os famosos e bem sucedidos se sentem quanto a chegar antes da hora marcada, estou lendo os arquivos da seção "almoço com o 'Financial Times'". Minha impressão foi a de que a maioria de nossos pretensiosos convidados estaria sempre atrasada — tempo deles, afinal, vale mais do que o tempo de simples jornalistas.

Eu estava errada. A maioria dos entrevistados chega em cima da hora —ou pelo menos jamais atrasados a ponto de levar o entrevistador a mencionar o fato. Entre os restantes, cinco vezes mais entrevistados chegam adiantados do que chegam atrasados. Os dois únicos exemplos de atraso em entrevistas recentes foram Edward Snowden e Russell Brand —dois caras que incomodam tanta gente com aquilo que fazem que não surpreende que escolham incomodar ainda mais por chegar atrasados.

O pessoal que chega adiantado é mais difícil de rotular. Adair Turner, antigo presidente da Autoridade de Serviços Financeiros, uma agência regulatória britânica, chegou adiantado, como seria de esperar. O mesmo vale para Paul Krugman e Nouriel Roubini, e, surpreendentemente, para Sean Penn, antigo moleque travesso hollywoodiano tornado ativista político.

Pessoas que estão enfrentando problemas parecem fazer questão de chegar super na hora, possivelmente na esperança de ganhar alguma boa vontade. Sepp Blatter chegou adiantado para o seu almoço. O mesmo vale para o apresentador de TV Jeremy Clarkson.

Mas minha lição favorita da parte dos entrevistados para a seção "almoço com o 'Financial Times'" veio de Stephen Green, então presidente do HSBC,. Ele chegou três minutos adiantado para o seu almoço, e se desculpou pelo atraso.

Isso é verdadeiramente um golpe de gênio. Força a outra pessoa, que vinha desfrutando de superioridade moral por ter chegado ainda mais cedo, a conferir o relógio e protestar que, pelo contrário, o segundo a chegar também estava adiantado.

Obrigado, Sr. Green. Vou me lembrar desse truque se algum dia me apanhar na posição de chegar a qualquer coisa depois da outra pessoa.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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