Folha de S. Paulo


Listas de leituras nas férias são a mais nova maneira de se gabar

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Em vez de curtir descanso, executivos se gabam sobre quais livros vão ler nas férias
Em vez de curtir descanso, executivos se gabam sobre quais livros vão ler nas férias

Caso você seja um presidente-executivo, se gabar jamais foi tão difícil.

As maneiras tradicionais de alardear aquilo que você conquistou saíram de moda. O consumo conspícuo não só é vulgar como uma catástrofe de relações públicas, já que o presidente-executivo médio de uma empresa norte-americana hoje ganha 335 vezes melhor que o trabalhador médio.

Vangloriar-se sobre o dinheiro que você gasta se tornou um tabu tão forte que alguns presidentes-executivos passaram a se vangloriar de como gastam pouco. Bill Gates, que tem patrimônio superior a US$ 80 bilhões, gosta de contar às pessoas que usa um relógio de US$ 10. Lloyd Blankfein também faz questão de mostrar a todos o que o líder do Goldman Sachs usa no pulso —um humilde Swatch.

A segunda maneira tradicional de se gabar —o golfe— também deixou de ser o que era. Os presidentes-executivos ainda gostam de jogar, mas em nossa era de workaholics já não o fazem com a mesma frequência que no passado. Jamie Dimon não joga golfe; Warren Buffett já brincou que só com muita sorte ele consegue completar a pista em menos de 100 tacadas.

No passado, imaginava-se que homens que jogavam golfe bem eram fortes candidatos a se tornarem bons executivos, mas agora a pesquisa acadêmica nos revela o oposto. Os presidentes-executivos que passam muito tempo nas pistas de golfe deveriam manter o silêncio a respeito, porque quanto menor seu handicap no esporte, pior o desempenho da empresa que comandam.

Tentar causar impressão com o valor de suas doações para caridade ainda é aceitável, mas é uma missão difícil de realizar, para a maioria dos presidentes-executivos. Quando Gates já doou US$ 27 bilhões e mesmo o relativamente muquirana Michael Dell doou mais de US$ 1 bilhão, é impossível para um presidente-executivo comum, com salário anual que mal chega aos oito dígitos, competir.

Assim, de que maneira esses profissionais poderão se gabar? Felizmente, existe uma nova maneira de um presidente-executivo declarar que o meu é maior. E o caminho é aquilo que eles estão lendo.

A McKinsey acaba de perguntar a 14 presidentes-executivos que livros eles levarão com eles à praia este ano —e o resultado foi uma das exibições mais flagrantes de gabolice competitiva que eu já vi.

Quando eu estava na universidade, costumávamos ir a todo lugar carregando cópias de Proust em francês —mas tínhamos a desculpa de termos 19 anos e sermos inseguros. Esses homens são adultos e bem sucedidos, e dedicaram suas vidas a vender alguma coisa para ganhar dinheiro, mas mesmo assim querem ser conhecidos por aquilo que aspiram a ler nas duas semanas por ano em que fazem outra coisa. É quase trágico.

A lista da McKinsey começa por Dominic Barton, o presidente-executivo da consultoria, que afirma que seu material de leitura de férias incluirá quatro volumes nada divertidos: alguma coisa sobre os Medici, alguma coisa sobre a China, uma chatice sobre a Europa; e "The Seventh Sense", de Joshua Cooper Ramo. Reid Hoffman vai ainda além, com seis livros, sobre mercados, política, genes e o mundo em geral; e "The Seventh Sense".

Diversos temas emergem. Os livros precisam ser variados. Principalmente recentes. Uma mistura de história, tecnologia e biografia é essencial. Um romance pode ser aceitável, desde que seja suficientemente obscuro, difícil ou literário. O presidente-executivo da Corning diz estar planejando encarar a trilogia "Gilead", de Marilynne Robinson.

Minha seleção favorita é a de Risto Siilasmaa, da Nokia, que afirma que estará lendo —além de livros obscuros sobre energia, inteligência etc.—, a história folclórica sobre a princesa chinesa Mulan —em chinês. Ninguém disse que planejava ler Stephen King, ou muito menos que não planejava ler coisa alguma, por preferir dedicar seu tempo de descanso a reafirmar o relacionamento com a família.

Apenas oito anos atrás, os presidentes-executivos ainda tinham o direito de ser honestos sobre suas leituras. Quando questionados pelo "Financial Times", eles mencionaram títulos variados como o novo romance de Nick Hornby. Ou o novo romance de John Grisham. Ou um livro sobre Fórmula 1. O presidente da BHP admitiu que leria "Os irmãos Karamazóv" pela enésima vez - a cada ano ele tentava ler o romance, mas jamais chegava ao fim.

Naquele momento só Sir Martin Sorrell teve a visão de interpretar a questão não como algo que se relacionava às suas leituras reais, mas como um convite para lustrar sua marca pessoal. Mesmo assim, ele errou na lista. Mencionou livros sobre história medieval, negócios e, por fim, "The Last Tycoons", de William Cohan. Infelizmente, este último livro havia vencido o prêmio literário do "Financial Times" no ano anterior, e Sir Martin, membro da comissão julgadora, já deveria tê-lo lido.

Recentemente almocei com um presidente-executivo a quem conheço bem o bastante para confiar em que me diga a verdade. Perguntei o que ele planejava ler nas férias. Não faço ideia, ele respondeu. Seu plano era sair de férias na metade de agosto, e ele tinha coisas mais importantes em que pensar, até lá. Como, por exemplo, comandar sua companhia.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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