Folha de S. Paulo


Ó, Jerusalém!

Acabo de viver uma das experiências memoráveis de minha vida: visitar Jerusalém, a Terra Santa.

Depois de percorrer tantos lugares no mundo, cheguei a uma cidade imprescindível para a história da cultura universal e entre cujas muralhas se compactam três mil anos de história e mitos.

Um lugar cuja transcendência é sustentada pelo protagonismo de personagens como os reis bíblicos Salomão e Davi, o revolucionário Jesus de Nazaré, o rei Herodes e Pôncio Pilatos, o profeta Maomé, os cruzados e Saladino, os otomanos, os britânicos e os sionistas, e que entre seus moradores, de ontem e de hoje, abrigou judeus, pagãos, árabes, cristãos, católicos de todas as denominações possíveis, e muçulmanos, em um processo milenar que forjou uma cidade única, espetacular, sagrada para três das grandes religiões do planeta.

A mesma Jerusalém que, por séculos e séculos, tem estado no centro de conflitos de toda espécie, ainda que promovidos por aquilo que a tornou grande e, em minha opinião, também a tornou desventurada: o peso tremendo imposto a essa terra pela religião, essa maneira de assumir e interpretar o mistério por meio da qual os homens, além de se alimentarem espiritualmente, também se dedicaram a se repelir, ofender e até massacrar mutuamente, desde as origens da civilização.

Estive em Jerusalém e bastou ver as pedras beges das muralhas para que se desencadeasse um processo de comoção que me acompanhará por muitos anos. Percorri suas ruas estreitas, passando pelo bairro judeu e pelo bairro árabe, e depois pelo cristão e pelo armênio, cada qual com seus sinais de identidade exibidos como brasões.

Visitei os lugares sagrados dos judeus, dos cristãos, dos muçulmanos. Mesquitas, igrejas, sinagogas. Inclinei-me com respeito pela história do Muro das Lamentações -os restos visíveis do Segundo Templo do judaísmo, destruído pelos romanos.

Visitei a Igreja do Santo Sepulcro, onde estão, no exato lugar do Gólgota no qual se diz foi erigida a cruz do sacrifício de Jesus, a lápide sobre a qual foi posicionado seu corpo humano e a gruta na qual ressuscitou seu corpo divino.

Visitei a Mesquita da Rocha, com sua cúpula dourada, da qual se diz que Maomé ascendeu aos céus.

Vi, da perspectiva privilegiada do Monte das Oliveiras, as portas seladas das muralhas que só se abrirão quando surgir o verdadeiro Messias e se tornar imprescindível seu ingresso na cidade sagrada.

Tive ocasião de visitar o impressionante Museu do Holocausto, crônica de um horror.

Vi fragmentos expostos dos Pergaminhos do Mar Morto. Na cidadela da torre do rei Davi, percorri a história de Jerusalém de suas origens até a atualidade.

Vi, li, escutei, me comovi e tentei compreender.

Mas alguns poucos dias e um conhecimento parcial de uma história e de uma realidade com demasiados prismas não me permitem explicar coisa alguma. Só expressar impressões, admirações, o júbilo espiritual de um homem ao deparar com pontos cardeais de muitas das essências primogênitas de sua cultura, sem pretender (repito) explicar coisa alguma: Jerusalém me sobrepuja com sua história conflituosa e maravilhosa, mítica e real, a história que deu razões a diversos povos e crenças para lutar por alguns poucos lugares e pedras que talvez sejam os mais polêmicos e trágicos do mundo.

Ainda que, diante da densidade de uma história e da tragédia do presente, eu tenha compreendido (novamente) alguma coisa: que só a justiça, a tolerância, o respeito ao próximo deveriam estar entre as cartas jogadas pelos homens. Mas lamentavelmente a condição humana muitas vezes prefere, necessita, considera imprescindível, colocar outras cartas em jogo.

Até em nome de Deus... Ó, Jerusalém!


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