Folha de S. Paulo


Viver como cego

Você que consegue ler normalmente este texto, já experimentou se pôr na pele de uma pessoa com visão reduzida? Passar um tempo no escuro absoluto, tendo que identificar o ambiente, encontrar objetos, tocar a campainha da casa de um amigo, pagar e conferir troco numa loja?

Todo mundo já deve ter ouvido alguma história sobre como cegos conseguem fazer coisas que pessoas com visão achariam impossível: identificar uma nota de dinheiro, encontrar ônibus, atravessar ruas ou caminhar longamente pela cidade sem tropeçar são até das mais simples.

Os olhos são a janela da alma, segundo Jesus Cristo, mas isso não quer dizer que os deficientes visuais não encontrem outros caminhos para iluminar a sua, com o uso dos sentidos. Quatro em cada cem brasileiros têm visão comprometida, sendo que um é completamente cego. E muitos deles levam uma vida completa, com o desenvolvimento de capacidades que permitem "ver" o mundo com o tato, o ouvido, o olfato.

Uma dificuldade que se impõe à sua inclusão, no entanto, é o fato de que os outros 96% dos brasileiros não compreendem como é sua percepção do mundo, quais são suas necessidades. Mesmo querendo, muitos não sabem como melhor auxiliar.

É para ajudar nessa empatia (capacidade de sentir o que o outro sente) que foi desenvolvido o evento "Diálogo no Escuro", em cartaz no Unibes Cultural, na rua Oscar Freire. Ali, as pessoas com visão normal experimentam por algum tempo a sensação de não enxergar nada, no breu absoluto, guiados por deficientes visuais que percebem perfeitamente a cena.

O lugar é dividido em três ambientes que simulam uma floresta com cachoeira, uma praça movimentada de uma cidade e um bar. Grupos de oito pessoas vão se movendo de um espaço a outro, em fila, usando uma bengala especial. São convidados a encontrar uma estátua e identificar o que ela representa; achar a cachoeira e uma pedra; um banco na praça; perceber uma barraca de feira e cada um de seus legumes; atravessar a rua; achar cadeiras em um boteco, etc. À medida que tudo se desenrola, ouvimos histórias. Minha guia perdeu a visão dos 17 aos 50 anos (hoje mal percebe a luz num dia de sol); outro rapaz ficou cego subitamente após o casamento; o barman tem visão reduzida, etc.

A sensação de vertigem é inevitável, superada no entanto pela segurança dos guias. Quando uma pessoa pede ajuda, só de ouvir sua voz, eles sabem exatamente onde ela está e imediatamente ajudam.

"Diálogo no Escuro" foi criado por um executivo alemão que se viu diante da dificuldade de preparar o escritório para receber um estagiário cego. Durante alguns dias ele trabalhou vendado; depois, foi conhecer o estagiário em casa e descobriu que em seu ambiente ele tinha domínio completo de tudo.

Ele então decidiu criar um programa para dar experiência intensa de empatia para um número maior de pessoas. Hoje o evento tem sede fixa em dois países (Alemanha e Israel) e circula em temporadas por dezenas de países.

É uma experiência inesquecível que certamente ajuda a compreender melhor os outros, cegos ou não.

DIÁLOGO NO ESCURO
QUANDO até 20.fev.2016; é necessário agendar pelo tel: (11) 3065-4333
ONDE Unibes Cultural, r. Oscar Freire, 2.500, Pinheiros
QUANTO R$ 12 (meia R$ 6 às segundas, quartas, quintas e sextas e R$ 30 (meia R$ 15) aos sábados. Na terça a entrada é gratuita


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