Folha de S. Paulo


Por que tem gente contra corredores de ônibus?

Quem sabe o tempo que moradores da periferia gastam no trânsito caótico de São Paulo para chegar ao trabalho estranha os protestos realizados na Câmara Municipal contra o corredor de ônibus planejado para a av. Nossa Senhora do Sabará, na Zona Sul de SP. Essas manifestações já duram várias semanas e mostram tal persistência que a gestão do prefeito Fernando Haddad admitiu recuar.

O secretário de Desenvolvimento Urbano, Fernando de Mello Franco, disse que vai discutir com o secretário de Transportes, Jilmar Tatto, possíveis traçados alternativos para não passar o corredor pela Av. Sabará.

A Prefeitura tem pressa: a lei está na Câmara para ser aprovada, o governo tem maioria, deveria ganhar fácil, mas aí apareceram os comerciantes e moradores da Av. Sabará ocupando o plenário e ganhando destaque na imprensa... O "recuo" parece ser apenas um drible: tirar a Sabará do pacote para aprovar todo o resto.

Corredores são solução para o deslocamento rápido de pessoas de áreas da periferia até os grandes centros urbanos; em seu caminho, usam vias de outros bairros como rota de passagem em velocidade. Quem mais protesta contra o corredor são moradores e comerciantes dessas vias intermediárias, descontentes com o número de desapropriações de imóveis que terão de acontecer e também com o risco de degradação ambiental no percurso.

Recentemente conversei com alguns dos que protestavam na Câmara Municipal. Ninguém acredita que os pagamentos das desapropriações serão feitos pelos valores reais dos imóveis e na velocidade necessária para os comerciantes se refazerem na mesma área. Isso é decorrente do trauma de séculos em que o poder público desapropriava por valor venal e adiava pagamentos por décadas.

Outros disseram que o corredor de ônibus vai degradar a Sabará como fez com a av. Santo Amaro. Até os anos 1980 essa via tinha trânsito equilibrado, um comércio vigoroso que convivia bem com prédios residenciais. Quando começou a ocupação desordenada das áreas de manancial na Zona Sul (Parelheiros, Jardim Ângela, Capela, Pedreira etc), o trânsito em direção ao Centro começou a se adensar. O prefeito Mario Covas (1983-85) decidiu implantar ali um corredor de ônibus. Em pouco tempo o comércio estava arrasado e a avenida sofreu um degradação ambiental vertiginosa. Até hoje a Santo Amaro não se recuperou e está aí para justificar a reação do pessoal da Sabará.

Em entrevista à coluna, o secretario Jilmar Tatto disse entender a resistência, mas diz que as indenizações serão pagas com presteza e justiça. E que muitos imóveis ganharão potencial construtivo, vão se valorizar.

Quanto ao medo da degradação, ele cita uma obra iniciada em sua primeira gestão (na administração Marta Suplicy), o corredor Nove de Julho: "Nós enterramos os fios, plantamos árvores, melhoramos as calçadas: hoje quem está na Nove de Julho não acha que corredor destrói o ambiente. Tanto é que agora, quando completamos o trecho arborizado no Itaim, não houve resistência dos moradores". Ele se refere à recente abertura do corredor entre as avenidas Cidade Jardim e a São Gabriel, área predominantemente residencial com muito jardim.

Tatto mostrou à coluna o desenho feito pelos arquitetos para os corredores que estão sendo discutidos na Câmara. Se forem implantados como está no projeto, haverá ganho ambiental, pois o alargamento das vias vai incluir a implantação de jardins e ciclovias.

Por causa da pressa de ganhar a votação e pôr as obras em curso, a Prefeitura deixa de debater os projetos com os afetados, o que levaria mais tempo mas resultaria em ganhos de qualidade no processo, inclusive para ouvir possíveis boas sugestões. O único jeito de resolver a questão é com transparência: apresentar os projetos, dar garantias de que serão seguidos, ouvir sugestões e garantir o respeito aos direitos dos proprietários. Conflitos entre interesses de diferentes grupos são parte essencial da democracia.


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