Folha de S. Paulo


Pontes para o passado

A relação íntima entre a crise econômica e a crise política parece ter chegado ao seu auge quando, no mesmo dia em que os números do IBGE indicaram queda do PIB de 4,5% nos últimos 12 meses, Eduardo Cunha deu início ao trâmite do processo de impeachment da presidente. A esta altura a pergunta tostines sobre o que deu início a essa relação importa pouco. Resta vislumbrar o que pode dar fim a ambas as crises.

O caminho defendido por alguns é que o impeachment mataria os dois coelhos com uma cajadada só. A eventual saída de Dilma e a governabilidade conquistada a partir da aliança entre PMDB e partidos de oposição resolveriam também o problema de falta de confiança dos consumidores e investidores.

Mas, se o governo Dilma com sua política de ajuste fiscal só vem contribuindo para minar as expectativas de crescimento –aquelas que realmente importam para que agentes privados voltem a consumir e investir–, o ajuste em versão Temer só pioraria as coisas. O programa "Uma Ponte para o Futuro", apresentado pelo vice-presidente na segunda-feira a empresários paulistas, mais parece um túnel para o passado.

As propostas partem do diagnóstico de que o ajuste fiscal conjuntural é insuficiente, pois os direitos adquiridos pela sociedade brasileira no período de redemocratização já não caberiam no Orçamento público. Em vez de traçar caminhos para sanar os problemas fiscais pela via do crescimento econômico, da preservação de empregos e da redução da conta de juros, o programa do PMDB começa com a flexibilização de leis trabalhistas e o fim da obrigatoriedade de gastos com saúde e educação.

Ou seja, diante de uma economia na qual o desemprego e as perdas salariais já vêm revertendo de forma acelerada os ganhos obtidos na última década, o novo governo passaria a concentrar seus esforços em reverter também as conquistas das décadas anteriores. Se somarmos a isso a regressão institucional que inevitavelmente acompanharia um processo de impeachment cuja legitimidade vem sendo amplamente questionada, não é difícil projetar um cenário em que a insegurança ainda maior da população serviria para aprofundar a crise.

Por outro lado, a demonstração de força das nossas instituições democráticas que viria com a rejeição ao pedido de impeachment poderia até resolver parte da crise política, mas não solucionaria os problemas da economia. Ao pôr um ponto final à chantagem do futuro ex-presidente da Câmara e vencer de uma vez por todas essas eleições prolongadas, o governo ganharia a chance de se concentrar em sua atividade-fim, a de governar.

No entanto, para encerrar a crise, a presidente deveria também livrar-se do complexo de Estocolmo que desenvolveu por seu outro sequestrador, o setor financeiro e seus interesses.

Enquanto não agir para frear a recessão e a escalada do desemprego, o governo continuará ameaçado por sua impopularidade na população e na base que o elegeu. Uma política que equilibre os conflitos distributivos inerentes à sociedade capitalista, que hoje estão tão acirrados, exige uma atuação mais firme pela manutenção de direitos, pela recuperação da economia e pelo fortalecimento da democracia.


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