Folha de S. Paulo


Torresmo no lençol - conflitos da cidade

Vida comunitária não é mar de rosas. Na revista "sãopaulo", da Folha, domingo passado, reportagem mostra conflito entre moradores vizinhos do restaurante Tordesilhas. Premiado recentemente como "O melhor de São Paulo 2013 - comida brasileira" da cidade, o Tordesilhas tem o torresmo como um dos pratos principais.

Ao fritar o toucinho, mesmo com o auxílio da melhor coifa da praça, não impede que o vapor da fritura chegue aos prédios mais próximos. Um vizinho reclama que "os lençóis ficam empesteados de gordura". Uns protestam; outros apoiam a permanência do restaurante.
A vida na cidade tem conflitos.

Fundamental nos darmos conta disso para saber administrá-los.

E é preciso não cair na armadilha de imaginar que solucionados os problemas básicos de saúde, educação, transportes, segurança, a vida nas cidades será serena e harmoniosa.
O que a vida em comunidade dá, ela retira. Dá aconchego e desassossego. Dá vínculo afetivo e a carência dele. Dá reconhecimento e rejeição. A convivência facilita ganhar e desfrutar a vida, mas provoca incômodos e sofrimentos.

Impossível viver em comunidade sem conflitos. E eles não são um embate maniqueísta entre o bem e o mal. Do mocinho contra o bandido.

Muitas vezes são frutos de desejos legítimos que se opõem. Ou do modo que a cidade cresceu e determinou o uso e ocupação do solo. Ou do surgimento de novas tecnologias que alteram o padrão de costume.

Edson Silva/Folhapress
Comércio e residências 'convivem' juntos
Estabelecimentos comerciais e prédios residenciais 'convivem' juntos

A cidade é ninho de tensões. Um emaranhado de vontades que não se complementam.

Os problemas tradicionais já citados recebem uma cobertura diária da mídia.

Os "torresmos" nos lençóis e as carências abstratas muito menos. E passam despercebidos embora respondam por grande parte da insatisfação cotidiana.

O que nos leva a tratá-los em estágio mais difícil de resolvê-los. Melhor detectá-los antes e saber que são parte da convivência humana.

Nenhuma política pública adotada gera só ganhos. É bom que a sociedade tenha uma visão desse perde-ganha para fazer suas opções.

Por exemplo, no ótimo projeto Casa Paulista, desenvolvido pelo URBEM, ao ocupar corretamente a região central, trazendo as pessoas para morarem mais próximas ao trabalho ali concentrado, prevê compartilhamento, nos mesmos prédios, entre residências e comércio.

As pessoas irão ficar próximas ao trabalho, estar junto aos centros de compra, mas terão que conviver com o cotidiano comercial, com os horários, com os torresmos e ruídos.

Um bom mecanismo para regular esses conflitos seria utilizar o plebiscito ou o referendo para avaliar ações que causem mudança na situação vigente.

Mas nós os ignoramos. Nas eleições, poderíamos votar em vários deles, o que daria força e legitimidade para as administrações implantarem novos projetos.

Em síntese, o que faz uma cidade agradável é o todo: o clima psicológico, o ambiente hostil ou acolhedor, as expectativas de realização dos desejos dos seus habitantes.

Se as pessoas entendessem, nas respectivas cidades, como o emprego, a moradia e os serviços vão se distribuir, a possibilidade de fazerem escolhas certas aumentaria. E se soubessem que, para mudar a situação vigente, isso passaria por um plebiscito, ficariam mais tranquilas.

Isso é tornar a cidade democrática. É ter clareza do que nela vai acontecer para permitir escolhas.

Seria absolutamente inovador termos um "Mapa dos Conflitos" da nossa cidade esclarecendo os antagonismos e sugerindo alternativas.

Assim como não há almoço grátis, como dizia o economista, não há uma vida comunitária totalmente harmônica.


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