Folha de S. Paulo


Os indivíduos valem pelos seus atos, não pelas suas palavras

Yann Coatsaliou - 23.mai.2017/AFP
O produtor Harvey Weinstein no 70º Festival de Cannes, na França
O produtor Harvey Weinstein no 70º Festival de Cannes, na França

NOVA YORK - É um conselho elementar: os indivíduos valem pelos seus atos, não pelas suas palavras. Qualquer um é capaz de uma retórica competente. E seria possível escolher dois ou três discursos políticos de grandes criminosos da história –discursos sobre a liberdade, a igualdade, a fraternidade– sem revelar o essencial sobre as suas condutas miseráveis.

Mas os atos, sobretudo quando praticados anonimamente, são a verdadeira revelação de caráter.

Um caso exemplar é o de Harvey Weinstein. Cheguei a Nova York alguns dias atrás. Pensava eu que as notícias seriam Donald Trump de manhã à noite. Erro. Trump desapareceu dos radares e a mídia só fala de Weinstein.

Apresentações: Harvey Weinstein é um dos mais conhecidos e reconhecidos produtores de cinema atuais. Sem falar do resto: democrata "convicto" e um ilustre apoiante e doador do Partido Democrata.

Problema: Weinstein terá cometido uma série de assédios sexuais contra atrizes e outro pessoal que trabalhava para a sua produtora –a poderosa Miramax. Angelina Jolie ou Mira Sorvino estão na longa lista das alegadas vítimas. Sabemos que Weinstein celebrou 8 acordos extrajudiciais para esconder os crimes. Há também acusações de violação– três, para sermos exatos.

E a "The New Yorker", dois dias atrás, liberou uma gravação onde Weinstein mostra os seus dotes "predatórios" com uma modelo italiana.

Perante isso, que fez o nosso Harvey? Escreveu uma carta para o "The New York Times", jornal que iniciou as denúncias, e que deveria ser estudada como uma obra-prima da hipocrisia progressista.

Para começar, Harvey Weinstein afirma que lamenta os seus comportamentos; mas atira com as culpas para a contra-cultura das décadas de 1960 e 1970, onde se formou e deformou. Os assédios, no fundo, não foram dele; foram dos "hippies" que lhe ensinaram o mantra "faça amor, não guerra", mesmo que esse amor envolva uma certa dose de ameaças e brutalidades.

Mas o momento esplendoroso da carta acontece quando o produtor promete, perante as massas "liberais", que reforçará o seu combate à National Rifle Association –e que doará 5 milhões de dólares para apoiar mulheres diretoras.

O "The Wall Street Journal", em editorial, resumiu com propriedade o raciocínio que existe na cabeça de Weinstein: "Se eu relembrar ao ilustre público que apoio as causas certas, serei perdoado pelos meus pecadilhos. Donald Trump não tem salvação quando agarra as mulheres pela genitália; mas eu, combatendo a cultura das armas e batalhando pela igualdade dos sexos, terei a absolvição dos otários."

Infelizmente para Weinstein, os otários não parecem disponíveis para semelhante bondade. Mesmo os otários –como Matt Damon, por exemplo– acusados de terem protegido o produtor no passado. Como? Pressionando jornalistas para não publicarem as denúncias.

Confesso: não sei se as acusações são verdadeiras ou falsas. E, aqui entre nós, não tenho uma curiosidade mórbida pelo assunto. Deixemos para a justiça o que é da justiça.

Mas também confesso que existe alguma ironia quando vemos um moralista devorado em público pela fúria de outros moralistas.


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