Folha de S. Paulo


Terrores modernos

1. Pedofilia é crime repugnante. Qualquer pessoa sã subscreve a tese. Mas pergunto: será que pedófilos depois de cumprirem pena —repito: depois de cumprirem pena— devem ter o nome em lista especial, disponível para ser consultada por todas as famílias que vivem no mesmo bairro?

Seguindo a moda dos Estados Unidos, Portugal discute o assunto e pondera liberar os nomes. Eu pasmo com a discussão: se alguém cumpriu pena, a sua expiação perante a sociedade já está feita. Fazer listas de pedófilos é uma nova punição e, pior ainda, um convite ao vigilantismo social, à vingança, quem sabe ao linchamento.

Os fãs da lei contrapõem. E falam no inalienável direito das famílias em saber se existem predadores nas redondezas.

Entendo o argumento. Pena ele ser tão débil: como defendem vários especialistas na matéria, alguém acredita que um predador "profissional" estará sossegadamente na sua residência registrada se quiser continuar a ignomínia dos crimes?

Lembrei essa lei porque, aqui na Inglaterra, existe uma polêmica semelhante. Semelhante, não necessariamente igual: Ched Evans foi jogador de futebol com moderado sucesso. Passou por clubes como o Norwich City e o Sheffield United. Em 2011, violou uma jovem de 19 anos. Foi condenado a cinco anos de prisão.

Libertado em 2014, Evans tenciona continuar a sua carreira. Afinal de contas, tem apenas 25 anos. Mas os jornais discutem: será que é moralmente aceitável receber de volta um jogador que violou e foi preso por isso?
Ou, pergunta minha, o sr. Ched Evans deveria ser remetido ao esquecimento e à pobreza para todo o sempre, como se o crime por que foi condenado não tivesse perdão possível?

Em caso afirmativo para a última pergunta, é preciso rever os princípios basilares do Estado de Direito. Se alguém perde o seu estatuto de cidadão pleno pelo fato de ter cumprido pena de prisão, a única solução lógica seria enfiar o criminoso na cadeia para sempre. Ou, então, executá-lo e não pensar mais no assunto.

Já estivemos mais longe dessas práticas totalitárias.

2. Anos atrás, o diretor Theo van Gogh foi barbaramente assassinado na Holanda. Van Gogh, relembro, dirigiu um documentário intitulado "Submissão" (2004) em que tecia considerações pouco simpáticas sobre o islã.

Azar o dele: um fanático encontrou-o na rua, fuzilou-o a tiros de revólver, tentou decapitá-lo e ainda deixou uma mensagem corânica cravada no peito com uma faca.

Na altura, o caso chocou a Europa, mas a Europa encarou o problema como uma espécie de continuação do "caso Salman Rushdie", quando o escritor foi condenado à morte pelo aiatolá iraniano Khomeini depois da publicação de "Os Versos Satânicos".

Obviamente, os casos não têm comparação: se Van Gogh era assassinado por um radical islamita, isso inaugurava um novo capítulo do jihadismo internacional —o homicídio anônimo de indivíduos desarmados por razões ideológicas.

Dito e feito: agora, no Canadá, apareceu mais um. Michael Zehaf-Bibeau, eis o nome do assassino que matou um soldado canadense e foi abatido logo a seguir.

No "Daily Telegraph", Con Coughlin (o mais lúcido dos jornalistas ingleses em matéria de terrorismo) afirma que esses fenômenos isolados são o maior perigo que o Ocidente enfrenta. Concordo.

E digo mais: lidar com o Estado Islâmico no Iraque e na Síria pode ser uma necessidade remota, mas o desafio principal das sociedades ocidentais está em detectar e neutralizar os exércitos silenciosos que existem dentro das suas portas. E que estão prontos para matar.

3. O governo inglês está preocupado com os "trolls". Quem? Boa pergunta. Parece que "trolls" é o nome heroico, e obviamente "troglodita", de gente infeliz e com vida sexual miserável que passa os seus dias a perseguir e a insultar na internet. Para eles, haverá penas que podem chegar a dois anos de prisão.

Não sei o que dizer. Para começar, se essa lei existisse em Portugal ou no Brasil, desconfio que metade dos meus leitores já não andaria por aí à solta. Uma perda inestimável.

Por outro lado, não será contraproducente endurecer a luta contra os "trolls"? Bem vistas as coisas, prometer dois anos de prisão para trogloditas não é uma ameaça; é um convite à delinquência —e um prêmio de carreira.


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