Folha de S. Paulo


O mérito e a justiça cósmica

Rogério Padula/Futura Press/Folhapress
SÃO PAULO,SP,24.06.2016:ROTESTO ESTUDANTES E COLETIVOS NEGROS USP - Estudantes da USP de e coletivos negros da USP, realizam na noite desta sexta-feira (24), ato reivindicando cotas no vestibular FUVEST, em São Paulo (SP). (Foto: Rogério Padula/Futura Press/Folhapress) *** PARCEIRO FOLHAPRESS - FOTO COM CUSTO EXTRA E CRÉDITOS OBRIGATÓRIOS ***
Estudantes da USP fazem ato reivindicando cotas no vestibular da universidade paulista

SÃO PAULO - A julgar pelas mensagens que recebi, a coluna de domingo (10), intitulada "O mito da meritocracia", na qual expus ideias de Robert Frank sobre a importância da sorte para o sucesso, foi mal interpretada. Não defendi o fim dos concursos públicos nem o tal de "coitadismo", o que quer que isso signifique.

Na esteira de Frank, tentei apenas mostrar que o sucesso, material, social ou profissional, até diz algo sobre a competência de uma pessoa. É raro que alguém sem nenhum talento alcance lugares de destaque. Mas, daí a concluir que a posição ocupada revela também o mérito, isto é, o merecimento entendido como uma materialização da justiça cósmica, configura um passo indevido. Trocando em miúdos, podemos defender que o poder público contrate os candidatos com maior pontuação no concurso. O motivo para fazê-lo, porém, é a eficiência, não a justiça. Em respeito ao dinheiro do contribuinte, o Estado deve sempre tentar recrutar o profissional mais preparado.

O ponto central é que atributos como inteligência, equilíbrio e mesmo disposição para o trabalho são resultado de uma loteria que envolve genética e ambiente e não manifestações de virtude individual. Não há mais mérito em ser brilhante do que em nascer com a beleza de uma Gisele Bündchen. E, assim como é errado prejudicar alguém por causa da cor da pele, também deveria sê-lo beneficiar devido a características que a pessoa nada fez para adquirir.

Humanos, porém, somos vítimas daquilo que o psicólogo Melvin Lerner chamou de falácia do mundo justo, que é crença de que o Universo recompensa os bons e pune os maus. É uma ilusão cognitiva, mas que tem valor adaptativo, já que tende a fazer com que nos engajemos em atividades com objetivo de longo prazo. O lado ruim da história é que deixamos de apreciar o verdadeiro papel do acaso em nossas vidas e acabamos acreditando que vítimas do azar "mereceram" seu destino.


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