Folha de S. Paulo


Triunfo feminista

SÃO PAULO - Vivemos numa cultura machista e isso favorece o estupro. Tomada isoladamente, a frase é incontestável. Eu iria até um pouco mais longe e diria que a espécie humana é uma espécie machista (o homem tende a ser mais forte e mais agressivo que a mulher) e que o estupro é uma das formas mais corriqueiras e universais de violência.

É importante, porém, tentar apreender o fenômeno em sua dimensão histórica. Aí, o que salta aos olhos é que as coisas já foram incrivelmente piores, como mostra Steven Pinker em "Os Anjos Bons da Nossa Natureza". Da Bíblia a Homero, passando por Shakespeare, episódios de estupro em massa são narrados, às vezes em detalhes, e sem uma condenação moral muito clara.

As normas contra o estupro que existiam na Antiguidade visavam muito mais a proteger os direitos proprietários de maridos e pais do que a mulher. Pelo livro sagrado, um homem que violasse uma virgem deveria pagar 50 shekels ao pai e casar-se com a jovem —sem direito a divórcio (Deut. 22: 28-29). É só a partir do século 18 que as leis contra a violência sexual começam a tornar-se reconhecíveis para os padrões modernos. A virada pró-mulheres só veio mesmo a partir dos anos 60, quando movimentos feministas ganham ímpeto. Ainda assim, novos conceitos como estupro marital e medidas de proteção à vítima só foram incorporados ao marco legal nos últimos anos.

Num espaço de poucas décadas, a tolerância da sociedade para com o estupro e outras formas de violência contra a mulher se reduziu drasticamente. Houve consequências práticas. Nos EUA, onde as estatísticas são melhores, registrou-se queda de 80% nos estupros entre 1973 e 2008.

Obviamente, é preciso condenar crimes bárbaros quando eles ocorrem, mas não dá para perder de vista que estamos no meio de uma revolução cognitiva em que as mulheres já são vitoriosas. A cultura ainda é machista, mas cada vez menos.

helio@uol.com.br


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