Folha de S. Paulo


Lutando contra os deuses

SÃO PAULO - Meu amigo Reinaldo José Lopes foi mais rápido do que eu e já comentou aqui na Folha o excelente "Battling the Gods: Atheism in the Ancient World" (lutando contra os deuses: ateísmo no mundo antigo), do historiador britânico Tim Whitmarsh. Não tenho muito a acrescentar à resenha do Reinaldo e, por isso, limito-me a chamar a atenção para um tema que o livro levanta, mas não desenvolve muito. Precisamos do ateísmo?

Um dos objetivos de Whithmarsh, que é professor de cultura grega em Cambridge, é demonstrar que o ateísmo é tão antigo quanto a religião. Ao descrever a história dos descrentes na Grécia e na Roma antigas, o autor acaba revelando que basta que inexista um sistema muito obsessivo para impor a religião que fatalmente surgem indivíduos que a desafiam de modo mais ou menos público.

É claro que, na vida real, as coisas nunca são tão preto no branco. As forças do conformismo, da adequação ao grupo, são sempre poderosas. Uma das acusações que condenou Sócrates, vale lembrar, foi a de não honrar os deuses da cidade. Ainda assim, Withmarsh sustenta que o caso de Sócrates é que foi o ponto fora da curva. Dependendo do clima político, pessoas até podiam ser processadas por heresia, mas punições mais graves eram um desfecho raro.

Esse relativo salvo-conduto não impedia que a minoria de ateus, como qualquer grupo marginal, fosse de modo geral malvista. Várias escolas, como o epicurismo, embora estivessem a meio passo de negar os deuses, frisavam não ser ateias.

No final das contas, o que o livro sugere é que o ateísmo, ainda que expresso por apenas uma minoria, é a consequência de um ambiente de liberdade intelectual, no qual todas as ideias, inclusive as mais sagradas, possam ser contestadas. São condições que favorecem também o florescimento das ciências e da filosofia, do que a Grécia clássica dá testemunho.

helio@uol.com.br


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