Folha de S. Paulo


Desatinos legais

SÃO PAULO - Eu já prometera a mim mesmo que não comentaria mais a criação de leis absurdas, porque fazê-lo de forma justa e coerente seria projeto para uma vida inteira, tamanha a proliferação de normas que desafiam a lógica, o bom senso, a realidade, ou todos ao mesmo tempo. Obviamente, não consegui me ater às minhas melhores intenções.

Leio no portal G1 que a Câmara Municipal de Campo Grande (MS) aprovou uma lei que obriga donos de restaurante da cidade a dar desconto de 50% para clientes que passaram por cirurgia de redução do estômago. A determinação é válida para comércios que servem refeições à la carte, porções e rodízios.

A lista de desatinos implícitos nessa peça de legislação é tão grande que não terei espaço para apontá-los todos. Restrinjo-me aos dois aspectos que me parecem mais graves.

A norma é errada no mérito porque não é nenhum pouco óbvio que ex-gordos devam pagar menos do que gordos atuais ou magros por suas refeições. Na verdade, operados já incorporam benefícios financeiros derivados de sua nova situação ao não precisar mais pedir dois sanduíches, duas coxinhas etc.

Ademais, a lei parte do falso pressuposto que a fixação do preço de uma refeição deve ser regida apenas pela quantidade consumida pelo cliente. Ignora, por exemplo, que o custo de servir um prato é o mesmo quer o freguês coma tudo, quer deixe 90% na travessa.

Pior do que as inconsistências de mérito, porém, é a noção, que subjaz à própria criação da lei, de que parlamentares têm legitimidade para interferir sobre todo tipo de contrato privado e podem se servir do que não lhes pertence para ficar sob uma luz favorável diante de seus eleitores.

Enquanto legisladores acalentarem a ideia de que basta sua vontade para fazer direitos se materializarem, sem que estes precisem corresponder a deveres no mundo real, não vejo muita chance de o Brasil dar certo.


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