Folha de S. Paulo


Descontando o futuro

SÃO PAULO - A presidente Dilma Rousseff levou mais uma traulitada de sua suposta base aliada com a aprovação de mudanças no fator previdenciário. Se ela não vetar a modificação, ficará menos eficaz o mecanismo destinado a inibir aposentadorias precoces. Se ela vetar, corre o risco de sofrer nova e mais humilhante derrota política.

Discutir Previdência é complicado porque o ser humano, que já não se notabiliza por agir sempre logicamente no presente, tende a ser ainda mais inconsistente quando pensa o futuro. Se fôssemos todos 100% racionais, cada cidadão se encarregaria por conta própria de poupar para a velhice e esse nem seria um assunto a ser tratado por governos.

A maioria dos humanos, porém, não é assim e tende a descontar o futuro. Parafraseando um célebre experimento, se eu ofereço às pessoas a opção entre um "marshmallow" agora ou dois daqui uma semana, boa parte preferirá a primeira alternativa, abrindo mão de um ganho de 100% só porque ele está no futuro.

Tal característica, chamada de viés do desconto hiperbólico, fez não apenas com que Estados criassem sistemas previdenciários oficiais, cuja participação é frequentemente compulsória, como também torna as negociações relativas a aposentadorias preocupantemente assimétricas.

Tomemos o caso do fator previdenciário. Quem está prestes a aposentar-se defende o seu fim. Para esse grupo, essa é uma discussão presente sobre a qual não incide nenhuma taxa de desconto. O resultado é que esses trabalhadores gritam alto. Já para aqueles que teriam interesse em evitar aposentadorias precoces, que são os contribuintes mais jovens e os que ainda não entraram no mercado, o problema está num futuro longínquo, para o qual a taxa de desconto é enorme. Isso significa que eles não estão ligados no assunto e não reclamam –o que os torna candidatos perfeitos a ter de amargar o prejuízo lá na frente.


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