Folha de S. Paulo


Ação e delação

SÃO PAULO - Em 2 de agosto de 2013, a sanção da lei nº 12.850 chamou a atenção de muita gente, mas pelos motivos errados. No clima de histeria após os protestos daquele ano, a definição de organização criminosa era o que mais saltava aos olhos.

Pouco notada foi a verdadeira revolução, escondida entre os artigos 4º e 7º: estava institucionalizada a delação premiada, embora algo desse conceito já tivesse aparecido em outras leis desde os anos 1990.

Cada grande escândalo deixa sua marca. O mensalão mostrou que a elite política pode ser exposta em julgamentos públicos e presa. A Lava Jato, com base na 12.850, consagrou a delação premiada.

É um instrumento controverso, porque gera sua própria dinâmica. Uma delação leva a outra, criando um ambiente favorável a que o acusado revele o que sabe o mais rápido possível. Quem entrega primeiro tem mais benefícios.

O apoio da opinião pública, como já mostrou o juiz Sergio Moro em artigos, é fundamental, algo fácil de se obter com o espetáculo de executivos penitenciando-se em frente às TVs.

O modelo embute riscos. Embora a lei diga que "nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador", a obtenção de provas é um desafio permanente. Moro e os procuradores argumentam que muitas são obtidas antes da delação –alguém só se torna delator porque foi citado em documento ou quebra de sigilo, por exemplo.

Goste-se ou não dela, a delação premiada veio para ficar. Ainda na sua infância, já teve impacto profundo em princípios elementares do Direito e na atividade investigatória.

Para a imprensa, os desafios não são menores. Além da dificuldade de ir além do noticiário gerado pelos delatores, criou-se um concorrente no mercado das revelações espetaculares. Há 11 anos, Roberto Jefferson talvez preferisse fazer uma delação a dar a entrevista-bomba à Folha que deflagrou o mensalão.


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