Folha de S. Paulo


Por uma F-1 mais suja

Houve um tempo em que a F-1 era um esporte sujo. No bom sentido.

Sujo de graxa, de óleo, de gasolina, de fuligem, de restos de borracha. Sujeira ampla, geral e democrática.

Os boxes pareciam borracharias de beira de estrada. Mecânicos, dirigentes e pilotos chegavam ao fim do dia imundos, dos pés à cabeça. À exceção dos olhos dos competidores, protegidos por óculos como os de aviadores, tudo era alvo daquela porqueira.

Mas ninguém ligava. Fazia parte. Era assim e pronto.

Com exceções de um ou outro nobre, todos estavam habituados. Todos haviam sido criados em garagens. Todos haviam escalado, degrau a degrau, as categorias amadoras.

Daí o termo "garagista", que ostentavam com orgulho.

Mas não era em vão. Junto com a sujeira vinha o aprendizado, a expertise, o conhecimento de causa. Sujos, sim, mas profundos conhecedores do automobilismo. Gente que respirava o esporte e que conhecia cada pedregulho de cada estrada que fazia as vezes de circuito no calendário.

Isso não existe mais. Efeito colateral do necessário crescimento da categoria, a F-1 tornou-se insípida, inodora, incolor –e, neste ano, inaudível. Pilotos não carregam mais os próprios capacetes. Mecânicos vestem uniformes impecavelmente claros.

E os dirigentes? Ah, os dirigentes...

Toto Wolff é austríaco, tem 43 anos e fez fortuna a partir do final dos anos 90 com fundos de investimento que apostaram em empresas de tecnologia.

Acontece que ele é fã de automobilismo.

Chegou a correr de F-Ford e em categorias de Turismo quando começava a juntar dinheiro. Até que um belo dia resolveu tornar a brincadeira mais séria.

Em 2009, num lance típico de quem vive no mundo das Bolsas, comprou parte de uma equipe que estava em baixa: a Williams. Com o passar do tempo, tornou-se diretor executivo do time e, fato emblemático, emplacou a mulher como piloto de testes.

Mas queria mais. E em 2013 comprou 30% da equipe Mercedes. Com tanto dinheiro em jogo, deitou e rolou. Escanteou Ross Brawn, que deixou o time dez meses após sua chegada, e passou a desfilar pelos paddocks usando fone e microfone de chefe de equipe.

Foi por este equipamento, empertigadamente sentado no pit wall do principado, que este homem comandou a manobra que tirou a vitória de Lewis Hamilton em Mônaco. Um dos maiores erros que este colunista acompanhou em muitos anos de F-1.

Um erro sem outra explicação que não sejam a incompetência, o amadorismo, o diletantismo, a vontade de aparecer. A expressão pasma de Wolff ao fim do GP dizia tudo.

Brawn nunca cometeria erro tão grotesco, nem qualquer um dos antigos chefes de equipe imundos de graxa. Esses sujeitos fazem falta.


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