Folha de S. Paulo


Quem olha para a 'amarelinha' sem pensar em bandalheira?

A prisão na Suíça do vice-presidente da CBF, José Maria Marin, e de outros dirigentes da Fifa, numa operação articulada pelo FBI dos EUA contra corrupção praticada no futebol, foi noticiada no mundo todo.

Outro escândalo internacional estrelado pela cartolagem –João Havelange e Ricardo Teixeira abriram a série, que mancha a memória do futebol do Brasil e passa a ser um peso a mais para as combalidas seleções brasileiras. Qual é o torcedor no planeta que vai olhar para a mítica camiseta amarela sem ter pensamentos relacionados à corrupção, à bandalheira?

Partindo desse prisma, uma vítima em potencial certamente será a seleção nacional feminina, que estreia contra a Coreia do Sul no Campeonato Mundial, na próxima terça-feira (9), no Canadá. O torneio começa sábado. O título da Copa é inédito para as brasileiras, que acreditam nas chances de atingir essa meta. Foram vice em 2007.

A equipe, na verdade, tem dois objetivos, o Mundial e os Jogos Olímpicos no ano que vem, em casa. Por isso, a disputa no Canadá ganha relevância, uma vez que serve também de parâmetro para a Olimpíada, na qual o Brasil raspou duas vezes no título, em Atenas-2004 e Pequim-2008, quando ficou com a medalha de prata. Em Londres-12, caiu nas quartas de final.

Diante desse cenário, a opção foi montar uma seleção permanente. Assim, em abril do ano passado, Oswaldo Alvarez, o Vadão, um especialista na revelação de jogadores –entre outros, Rivaldo, Kaká e Júlio Baptista–, não vacilou em deixar o time masculino da Ponte Preta e aceitar o desafio de comandar a seleção das mulheres.

Apesar de ser sua primeira experiência com equipes do gênero, após apreensão inicial, já parece adaptado e otimista. A meia-atacante Marta, craque consagrada e com importância equivalente à de Neymar no masculino, a meia Formiga e a atacante Cristiane, todas com participações em vários Mundiais, são alguns destaques que seguem na seleção.

O time tem boa base e experiência, mas os obstáculos são difíceis, com rivais de elevado nível técnico como EUA, Alemanha, Suécia e Noruega. As norte-americanas sempre despontam entre as favoritas. Na última edição do Mundial, em 2011, elas acabaram superadas na decisão pelas japonesas, campeãs pela primeira vez.

Relegado a um segundo plano durante anos, o futebol feminino do Brasil ganhou um reforço inesperado, o apoio da presidente Dilma Rousseff. O ministro do Esporte, George Hilton, ressaltou ter a presidente alertado para que ele dispensasse cuidados especiais ao desenvolvimento do futebol feminino.

É como remar contra a maré, mas se espera que a "amarelinha" não seja olhada com desdém ou pressionada em consequência do escancaramento dessa gatunagem com digitais brasileiras.

SEXISMO

Acuada pelos escândalos, a Fifa pode começar a mudar sua postura já neste Mundial. O presidente Joseph Blatter, reeleito pela quarta vez, e os cartolas da entidade costumam anunciar verbalmente apoio ao futebol das mulheres. Um blefe, levando-se em conta denúncia da atacante Alex Morgan, dos EUA, que acusou o presidente da Fifa de sexismo.

Morgan disse que o dirigente não a reconheceu durante premiação da Bola de Ouro em 2012, em cerimônia realizada no início de 2013, sendo que ela era uma das três concorrentes. A vencedora foi sua compatriota Abby Wambach. Em entrevista recente à revista "Time", a atacante afirmou que ficou impactada pela indiferença de Blatter, mas que seguirá hasteando a bandeira do feminismo no esporte.

REFLEXÕES

O desbaratamento da bandidagem articulada dentro da Fifa é um marco a ser comemorado pelos esportistas em geral e, em especial, pelos fãs do futebol, o esporte mais badalado no mundo e líder no interesse dos brasileiros.

Já o modus operandi, com prisões articuladas por um país (EUA) em território de outro (Suíça), embora com a colaboração deste, caçando gente de vários pontos do planeta, é intrigante. Esse papel dos EUA de polícia do mundo é motivo de preocupação como destacou Hélio Schwartsman nesta Folha na sexta-feira (29). O tema exige reflexão.

Outro alerta apareceu em texto no UOL, no qual Daniel Lisboa entrevistou o norte-americano John Shulman, especialista em mediação de negociações, cofundador do Centro para a Negociação e a Justiça dos EUA, e formado em direito pela Universidade Harvard. Ele acredita que a intervenção "não teve cunho legal, mas geopolítico". Destaca que não há um número de vítimas nos EUA que justifique tamanha mobilização.

Shulman argumenta que "são os EUA mobilizando seu aparato legal interno em prol de questões geopolíticas. No caso, para colocar pressão na Rússia (sede da Copa de 2018), com quem o país tem tido problemas, e no Qatar (sede da Copa de 2022), onde também existem questões geopolíticas".

Ressaltou ainda que todo mundo sabe que a Fifa é corrupta, mas que os EUA não estariam fazendo isso pelo bem do futebol. O jeito é manter os olhos bem abertos e os ouvidos atentos. Onde há fumaça há fogo.


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