Folha de S. Paulo


Águas poluídas, desafio olímpico

O Comitê Rio-2016, responsável pela organização, e o governo brasileiro, o "avalista", são criticados por conta de falhas e atrasos nos preparativos para a Olimpíada. Apesar disso, as cobranças ganham respostas, justificativas, algumas pouco convincentes e outras parcialmente satisfatórias.

A partir de agora, no entanto, essa situação começa a mudar, lamentavelmente, com o risco de piorar. Por quê? Simplemente porque a realidade ficará à mostra, exposta, com o prazo para abertura dos Jogos encurtando a cada dia. Sem tempo a perder, sem chance de erro. Cada tropeço pode representar um custo adicional para conclusão de obra.

O comitê organizador da Olimpíada vai enfrentar seu primeiro desafio concreto no início de agosto: o evento-teste da vela, nas águas da Baía de Guanabara. Cerca de 400 atletas de 10 diferentes classes olímpicas da vela participarão das provas.

A julgar pelas observações de especialistas, o teste deve se transformar num enorme incômodo para o comitê. O diretor de competições da Federação Internacional de Vela, Alastair Fox, já manifestou preocupação, principalmente com a poluição das águas da Baía, antecipando que ali a situação está "difícil".

O "New York Times", um dos mais influentes jornais do mundo, acaba de jogar lenha nessa fogueira ao publicar pesada crítica ao Rio. O título que encabeça o texto dá bem o tom da caótica situação das poluídas águas da Baía de Guanabara: "Aviso para os velejadores olímpicos: não caiam na água do Rio".

Uma das estocadas do texto é a declaração de um atleta austríaco, Nico Delle Karth, apontando ser o local escolhido para as disputas de vela nos Jogos como o lugar mais sujo no qual ele já treinou.

O conteúdo da manifestação de Karth não é novidade. Ratifica denúncias de velejadores brasileiros. O medalhista olímpico Lars Grael é um dos que batem nessa tecla. Ele revelou ter se deparado quatro vezes com cadáveres nas águas quando velejava no local.

Rios que recebem despejo de lixo e esgoto sem tratamento arrastam tudo para as águas da baía. Quando traçaram o projeto olímpico, políticos e dirigentes esportivos tinham conhecimento desse quadro e da necessidade de saneamento básico, mas vislumbraram a possibilidade de superá-lo.

A despoluição das águas é uma façanha que poderia se transformar no maior legado dos Jogos. Talvez por causa disso, mesmo diante das dificuldades, um plano B, com as disputas da vela em Búzios, defendido por Lars, não foi levado em conta até o momento.

O tempo passa e a sujeira se acumula, enquanto o processo de limpeza da baía continua na estaca zero, lamentou no mês passado, em reportagem em "O Estado de S. Paulo", o biólogo Mário Moscatelli, especialista no assunto.

A Olimpíada entra numa nova etapa, exigindo maior transparência nas ações governamentais e do comitê organizador. No rescaldo da Copa do Mundo, os Jogos devem mostrar a sua face real, sem maquiagem, e como custarão caro. Certamente, bem mais do que os cerca de R$ 37 bilhões da estimativa orçamentária anunciada pouco tempo atrás.


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