Folha de S. Paulo


Sozinhos ou solitários?

"Counseling Today" (o aconselhamento hoje) é a revista da American Counseling Association, que é a associação dos psicoterapeutas dos Estados Unidos.

A cada mês, a matéria de capa trata de uma inquietude que, em tese, está na ordem do dia para pacientes e profissionais. Na edição de janeiro de 2015, foi "Confronting Client Loneliness" (enfrentando a solidão do paciente) –a imagem de capa era um idoso sozinho, de costas, num parque outonal deserto.

Mundo afora, um número crescente de pessoas (idosas e não) mora sozinho. No Brasil, a porcentagem dos domicílios habitados por apenas um morador está próxima dos 15%, segundo o IBGE. Na Inglaterra, é 29%, apenas atrás da dos lares de duas pessoas, que é 35%.

Essa informação é quase sempre veiculada como sinal de alguma decadência urbana ou de uma espécie de patologia contemporânea.

Os anos 1960 promoveram a vida em sociedade e a paixão política como valores; o próprio casal parecia ser um modelo social fechado e mesquinho; era melhor fazer tudo em grupo: desde criar os filhos até redigir trabalhos de conclusão de curso.

Logo em 1959, uma psicanalista, Frieda Fromm-Reichmann, publicou um artigo que se tornou clássico, "Loneliness" (Psychiatry: Journal for the Study of Interpersonal Processes, vol. 22). Ela admitia que é possível ser solitário sem sequer se sentir sozinho, mas o que ficou a partir de então é que a solidão estaria na origem de todo tipo de sofrimento e de transtorno mental.

Trinta anos mais tarde, já se constatava (ou se acreditava?) que a solidão encurtaria a vida do solitário.

Uma meta-análise do que se pesquisou e se escreveu nessa direção foi publicada em 2010, em PLOS/Medicine (http://migre.me/pEuqY).

O ponto de partida do texto é que cada vez mais pessoas vivem sozinhas: acabou (ou quase) a família extensa e se tornou banal mudar de cidade ou de país etc.

Enfim, é normal que a gente esteja e se sinta sozinho, mas resta saber se essa sensação é ruim para a saúde. Uma leitura sistemática de 148 pesquisas publicadas mostra que a falta de relações sociais fortes é um fator de mortalidade parecido com o fumo ou o álcool e maior que a inatividade física e a obesidade.

Claro, os pesquisadores sabem que não é simples definir a solidão. Também sabem que muitos fumam, bebem, comem e ficam deitados vendo TV justamente porque estão sozinhos –o que faz que seja complicado descobrir qual é o verdadeiro fator de risco. De qualquer forma, para os autores, fica estabelecido que a solidão encurta a vida.

Nos últimos 15 anos, apareceu uma nova questão: será que o uso da internet é uma causa ou um efeito da solidão que ameaçaria nossas vidas? (Veja, por exemplo, http://migre.me/pExmw.)

Ao longo dessas décadas tão propensas a idealizar a convivência social, houve a voz discordante de Anthony Storr, outro psicanalista, que, em 1988, publicou "Solidão, a Conexão com o Eu" (ed. Benvira, R$ 39,90, 384 págs.), lembrando que, para alguns, ficar sozinho pode ser um jeito de se curar –não adoecer.

Enfim, entre Fromm-Reichmann e Storr, uma pergunta: a solidão é um transtorno de nossa sociabilidade supostamente "natural" (como pensavam os gregos)? Ou, então, nossa sociabilidade apenas manifestaria outro transtorno, que é o medo de ficarmos sozinhos conosco?

É nesse contexto que chega o novo livro de Sara Maitland, "Como Ficar Sozinho" (ed. Objetiva, R$ 26,90, 132 págs.). É um dos textos de "The School of Life", a série dirigida por Alain de Botton, que tenta renovar a autoajuda.

Maitland, além de dar conselhos para tentar viver sozinho (que é a preferência dela), mostra que a sociabilidade e a solidão são ideais que coexistem em nossa cultura.

A ideia de que a vida plena tenha que ser social é antiga, clássica, greco-romana. A ideia de que a vida plena seja a vida interior é cristã e moderna: a religião para nós é diálogo com Deus antes de ser celebração pública, a justiça e a moral são questões que resolvemos no foro intimo, e não no fórum.

Nosso lazer é com amigos ou sozinhos? Muitos diriam que viajar ou sair à noite seria muito mais interessante se eles estivessem completamente sozinhos, mas a amizade, o amor ou o medo são mais fortes do que o desejo de aventura.

O que é mais "moral", deixar os outros entrarem na nossa vida ou cultivar apenas nosso jardim, sem sermos distraídos por eles?

Quem está mais perto da verdade (seja lá o que ela for), o monge ou o militante político?


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