Folha de S. Paulo


Agora é oficial: Maduro cometeu fraude, aliás uma fraude burra

A Smartmatic, empresa responsável pelo sistema eleitoral na Venezuela, confirmou nesta quarta-feira (2) o que o leitor da Folha sabia desde segunda-feira (31): o número de eleitores que participaram da votação que elegeu a Assembleia Constituinte no domingo (30) foi manipulado.

O governo inflou a participação em pelo menos um milhão de votantes. Em uma entrevista coletiva em Londres, o diretor-executivo da Smartmatic, Antonio Mugica, afirmou que "sem dúvida, a taxa de participação nas recentes eleições para Assembleia Nacional Constituinte foi manipulada".

Reproduzo, a propósito, o essencial da coluna postada há dois dias, na qual dizia que a ditadura venezuelana é tão absurdamente incompetente que nem mesmo uma fraude eleitoral ela é capaz de fazer bem feita.

Em vez de inflar os números de forma a demonstrar que a maioria dos eleitores comparecera, como faria qualquer ditadura das antigas, a da Venezuela anunciou que votaram 8 milhões de pessoas, o que dá 41,53% do eleitorado total (pouco menos de 20 milhões). Mesmo que fosse verdade, o governo atestou oficialmente que a maioria dos venezuelanos (os 58,5% restantes) são contra a Assembleia Constituinte.

Tão contra que nem se deram ao trabalho de comparecer às urnas, apesar das ameaças e pressões do governo.

Com esse resultado, a Constituinte, que já era ilegítima, torna-se também desmoralizada. E reforça-se a legitimidade da Assembleia Nacional, hoje controlada pela oposição, na medida em que, para eleger seus integrantes, mobilizaram-se há dois anos 74,17% dos eleitores, quase o dobro, portanto, do que Maduro anunciou.

Que o número oficial era inflado nem precisava de comprovação técnica. Até um fiel chavista, o sociólogo Nicmer Evans, que acaba de deixar o grupo "Marea Socialista" para integrar-se a uma plataforma de defesa da Constituição que Maduro quer mudar, dizia ao "Monde":

"Essa Constituinte nasce em um banho de sangue. Nasce ilegítima porque é muito difícil determinar o número de votantes, mas tecnicamente nós podemos verificar que houve numerosas irregularidades".

Comprovação técnica à parte, a mais elementar lógica denunciava a fraude: nas eleições legislativas anteriores (2015) votaram no partido do governo 5,599 milhões de eleitores (a oposição teve 7,7 milhões).

Como a situação econômica e social só fez piorar dramaticamente de lá para cá, não tem a menor lógica imaginar que o número de eleitores em uma proposta governista subisse de 5,599 milhões para os 8 milhões anunciados pelo governo.

Quem é que vota em qualquer projeto do governo quando a inflação deve atingir 1.700% este ano, quando faltam comida e remédios, quando o PIB recuou 20,7% desde 2014, quando a criminalidade é a segunda maior das Américas e quando a violência do governo e seus paramilitares matou mais de cem pessoas só nos últimos cem dias?

A ver, agora, com a comprovação técnica de uma fraude, se PT e PSOL que já se haviam se associado à ditadura fracassada, endossam também o trambique.

Ronaldo Schemidt/AFP
O presidente da Venezuela Nicolás Maduro celebra os resultados da Assembleia Constituinte, em Caracas
Nicolás Maduro celebra os resultados da Assembleia Constituinte, em Caracas

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