Folha de S. Paulo


Onde a inflação não existe

Você aí, que está preocupado com a inflação brasileira, sugiro que se mude para a Venezuela.

Não que a inflação por lá seja menor do que por aqui. Ao contrário, é tão elevada que o governo deixou de divulgar os índices (cálculos privados indicam algo em torno de 200% no ano passado, o que torna raquíticos os nossos 10 e pouco por cento).

Inflação anual medida pelo IPCA e INPC

Mas, agora, você pode mudar para a Venezuela porque o recém-nomeado ministro da Economia Produtiva, o jovem sociólogo Luis Salas, decretou que inflação não existe, em livro recente sobre a suposta guerra econômica que seu país enfrenta.

"A inflação não existe na vida real", escreveu. E explicou, bem didaticamente:

"Quando uma pessoa vai a um local e verifica que os preços aumentaram, não está na presença de uma inflação. Na realidade, o que tem diante de si é justamente isso: um aumento dos preços, problema do qual a inflação, enquanto teoria e sentido comum dominante se apresenta como a única explicação possível, quando, na verdade, é apenas uma [explicação] e não a melhor".

Excelente explicação, não fosse pelo insignificante detalhe de que, a qualquer local que vá um venezuelano, verificará que os preços aumentaram.

Que o novo ministro omita detalhe tão decisivo se entende. Salas, afinal, foi nomeado por aquele presidente, um certo Nicolás Maduro, que recebe a visita de seu antecessor morto, Hugo Chávez, na forma de um "pajarito".

O mesmo Maduro que, além de nomear Salas, criou um insólito Ministério da Agricultura Urbana, com o objetivo de incentivar a produção de alimentos em grandes centros urbanos.

Justificou: ele e sua mulher criam em casa 50 galinhas, supostamente um bom exemplo.

Alguma surpresa com o fato de que a economia da Venezuela, segundo o Banco Mundial, retrocedeu 4% em 2014, 8,2% em 2015, conhecerá nova queda em 2016 (4,5%) e em 2017 (1,1%)?

Pensando bem, não mude para a Venezuela, não. O Brasil, comparativamente, é um paraíso.


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