Folha de S. Paulo


A mudança ganhou. Levará?

A palavra "mudança" ganhou a eleição, com folga e, portanto, fora da margem de erro.

Afinal, os dois finalistas erigiram "mudança" como mote central de seus principais slogans.

No caso de Aécio Neves, por ser de oposição, "mudança" já seria a palavra de ordem natural. Mesmo assim, ele fez questão de explicitá-la no seu slogan.

Dilma Rousseff, a candidatura da continuidade, vendeu, no entanto, a ideia de que a governo novo, correspondem ideias novas.

Fiz essa observação em uma entrevista na quinta-feira, 23, a uma rádio do Canadá. A entrevistadora perguntou se não se tratava apenas de um gesto para a plateia.

Claro que é marketing político-eleitoral, um clássico de qualquer campanha, em qualquer país do mundo. Mas é também, acho eu, a necessidade de atender ao clamor das ruas.

Em junho de 2013 nas ruas e, depois, em todas as pesquisas de opinião pública, o grito por "mudança" foi repetido uma e mil vezes.

A mudança que a maioria deseja é muito fácil de enunciar: melhores serviços públicos, de educação, saúde, mobilidade urbana, segurança e por aí vai.

Tão fácil de enunciar como difícil de implementar (se fosse fácil, todos os governantes dos últimos 500 anos já teriam atendido o clamor popular).

Até que, nos 25 anos mais recentes, desde a reintrodução da eleição presidencial direta, partes do clamor popular foram, de fato, implementadas.

A democracia é uma dessas partes e, hoje, não parece haver dúvidas de que ela está consolidada no Brasil. Um regime que resiste à morte de um presidente eleito que adoece na véspera da posse e ao impeachment do primeiro presidente eleito diretamente depois de 29 anos é um regime sólido.

O risco está, portanto, não na democracia em si, mas na qualidade dela –e não só no Brasil, diga-se.

É evidente que um sistema em que há 28 partidos representados no Congresso Nacional é disfuncional.

É uma fragmentação comum no momento em que um país sai da ditadura para a democracia. Mas não um quarto de século depois, se se tomar como marco a eleição presidencial direta.

É igualmente evidente que há forte descontentamento com as lideranças que esse sistema oferece ao público eleitor. Prova-o o fato de que a candidata primeira colocada no turno inicial (Dilma Rousseff) conquistou apenas 30% do eleitorado total do país.

É lógico supor, aliás, que nem mesmo no segundo turno o/a ganhador/a ultrapassará os 50% mais um do eleitorado total, embora consiga a marca quando se eliminam a abstenção, votos brancos e nulos.

Em um sistema assim, é muito difícil fazer reformas que necessariamente precisam ser profundas.

Ainda mais que o clientelismo criou camadas arqueológicas de funcionários públicos leais ao partido/coligação que está ou esteve à frente do poder.

Reformulá-lo vai contra interesses estabelecidos, o que gera uma resistência.

Tudo somado, tem-se que pouco menos da metade do eleitorado ficará frustrado hoje com a derrota de seu candidato. A outra metade tende a se frustrar depois, se as reformas não vierem.


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