Folha de S. Paulo


Assad está ganhando a guerra e a paz

O ditador sírio, Bashar Al Assad, não só está recuperando terreno na guerra que devasta seu país como está ganhando também a conferência de paz que se realiza em Genebra, batizada de Genebra-2.

Para chegar a essa conclusão, basta comparar o resultado do encontro anterior (Genebra-1) com o que ocorre agora. Genebra-1, limitada às potências globais ou regionais, sem os próprios sírios, determinou o início imediato de uma transição política, com "medidas irreversíveis de acordo com um calendário fixo e estabelecido".

Era junho de 2012, quando Assad parecia sitiado e na iminência de ser derrotado.

Genebra-2, portanto, deveria ser sobre o modo de fazer a transição, com a saída do ditador e a constituição de um governo provisório, que convocasse eleições em um prazo razoável.
Pois tudo o que não se consegue discutir nesta Genebra-2 é exatamente a transição, porque o ditador não só se recusa a deixar o cargo como ainda acena com uma nova candidatura.
Diz, por exemplo, o vice-ministro sírio do Exterior, Faisal Mikdad: "Ninguém pode evitar que o presidente Assad se candidato para um novo período presidencial em 2014".

Genebra-2, que já não despertava expectativas, encalhou de vez quando os organizadores da conferência tentaram pôr a transição em discussão. Não é o tema, dizem os delegados do governo Assad. "Combater o terrorismo deve ser a prioridade da conferência", explicita Mikdad.

Rebate Hadi al Bahra, negociador-chefe da oposição: "O foco deve ser criar um corpo governativo de transição".

O impasse não surpreende ninguém. Enquanto ambos os lados acreditarem, como acreditam hoje, que ainda é possível vencer no campo de batalha, não se renderão na mesa de negociações.

Assad parece menos distante de uma vitória, ainda que venha a ser uma vitória pírrica, porque os grupos radicais que passaram a engrossar as fileiras da oposição, inicialmente pacífica, continuarão a luta pelo método terrorista, à la Iraque ou Afeganistão, mesmo que os oposicionistas moderados sejam derrotados.

É natural, ante essa perspectiva que cresça o número de vozes que, a contragosto, começam a dar Assad como parte inevitável do futuro.

Escreve por exemplo Edward Dark, pseudônimo de um colunista do sírio "Al-Monitor" e que vive em Aleppo, um dos bastiões dos rebeldes: "Assad está aqui para ficar, pelo menos pelo futuro previsível".

Reforça Ryan Crocker, embaixador norte-americano com vasta experiência no mundo árabe (foi embaixador na Síria, por exemplo, entre 1998 e 2001): "Precisamos encarar um futuro que inclua Assad - e considerar que, ruim como ele possa ser, há algo pior" (alusão óbvia aos grupos islamistas radicais que lutam ao lado ou, às vezes, contra os rebeldes moderados e laicos).

O problema é que os Estados Unidos não estão preparados para aceitar uma Síria em que Assad ainda mande, como o secretário de Estado John Kerry deixou claro em sua passagem por Davos, no fim da semana passada.

Em sendo assim, só "um milagre" pode romper o impasse, como admite Lakhdar Brahmimi, o representante da ONU e da Liga Árabe para a Síria e mediador de Genebra-2.

Há, entretanto, analistas que vêem um outro caminho para uma eventual Genebra-3. Escrevem, por exemplo, Jeremy Shapiro, pesquisador do Instituto Brookings, e Samuel Charap, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos:

"Uma trilha regional é necessária porque a guerra civil síria se tornou uma guerra por procuração, principalmente entre Arábia Saudita [contra Assad] e Irã [pró-Assad], mas com importantes papeis representados por Qatar, Turquia e Iraque (os Estados Unidos e a Rússia também estão envolvidos nessa guerra, ainda que em menor escala)".

O argumento para defender essa trilha é simples: "Os antecedentes em resolver guerras por procuração são claros. Até que os principais suportes externos alcancem algum tipo de acomodação, eles continuarão a financiar e armar seus aliados, com o que lhes dão esperança de vitória".

Tudo somado, fica claro que o único perdedor nesse conflito é o povo sírio, com seus 130 mil mortos e 9 milhões de refugiados, 2,5 milhões deles fora da Síria devastada.


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