Folha de S. Paulo


O sistema acabou?

Parece haver um consenso de que o sistema político brasileiro está em crise. Na semana passada, o senador Delcídio do Amaral foi flagrado planejando a fuga de um bandido. Enquanto escrevo, fala-se em shutdown do governo federal. Nenhum dos dois principais partidos brasileiros, PT e PSDB, foi responsável por nada do que de importante aconteceu em 2015. O ano foi, por um lado, do PMDB, e, do outro, dos órgãos fiscalizadores do governo: do TCU, do Ministério Público, da Polícia Federal.

Vale perguntar, portanto: o "presidencialismo de coalizão" brasileiro está acabando? Acho que não.

É importante entender, primeiro, como funciona nosso sistema político. Temos um regime em que a Presidência é forte e há muitos partidos. A presidente precisa formar uma coalizão para governar. Para formar sua coalizão, a presidente distribui cargos e aprova gastos que favorecem as bases regionais dos aliados. Como notaram Marcus André Melo e Carlos Pereira em "Making Brazil Work "" Checking the President in a Multiparty System", o sistema funciona razoavelmente, em grande parte devido à ação de instituições de controle, como o TCU e o Ministério Público.

A turbulência causada pela Lava Jato é justamente uma demonstração da força dos órgãos fiscalizadores (que são parte do sistema político). Embora a exposição da sujeira às vezes nos desanime, mais de um observador internacional notou que o Brasil tem se destacado mais no combate à corrupção do que outros países no nosso nível de desenvolvimento. E é notável que, durante todo o ano de 2015, nem governo nem oposição tenham sido capazes de prometer imunidade a Eduardo Cunha em troca de uma decisão contra ou a favor do impeachment.

Por outro lado, em 2015, ficou claro que o sistema político brasileiro sofre as consequências da crise fiscal. Isso, sim, atingiu o núcleo do sistema: Dilma teve menos recursos para construir sua coalizão.

Sem dinheiro, Dilma se viu às voltas com um movimento pelo impeachment muito antes de ser acusada do que quer que fosse. Isso paralisou as negociações parlamentares, uma vez que os aliados do governo no Congresso passaram o ano tentando decidir se era melhor fazer acordos com esse governo ou com o próximo. Sem apoio do Congresso, o ajuste fiscal foi tragicamente adiado, e estabeleceu-se um círculo vicioso entre as crises econômica e política.

Nesse quadro dificílimo, o multipartidarismo pode ter sido mesmo parte do problema. Se só houvesse dois partidos, o impeachment já teria sido aprovado ou rejeitado, conforme PSDB ou PT tivesse a maioria o Congresso.

Mas tudo isso teria custos: nos dois casos, o processo de impeachment seria decidido politicamente, sem que seus méritos tivessem sido julgados.

E, se é verdade que, em 2015, parte do sistema político rodou no vazio quando o dinheiro acabou, talvez já haja mecanismos de correção funcionando. Com a continuidade das investigações, Cunha e outros protagonistas da chantagem de 2015 devem perder força. O PT deve ceder mais cargos a aliados, a oposição deve se tornar mais responsável conforme a perspectiva de voltar ao poder se aproxime em 2018.

Enfim, nada garante que o sistema político brasileiro, que, com todos os seus defeitos, recebe menos crédito do que merece, não se recuperará da crise de 2015.


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