Folha de S. Paulo


A ilusão do conhecimento

Observe o cenário a seu redor. Você pode olhar sua volta e ter a certeza de que existe uma parede diante de seus olhos, ver uma banana madura e admitir que a casca dela é amarela com manchas pretas ou que existe um computador ou jornal perto de você neste momento. São admissões que nosso cérebro faz quase automaticamente, para que possamos interpretar o mundo a nossa volta a todo momento.

As impressões que temos do mundo que nos cerca colaboram para formar julgamentos que fazemos intuitivamente e é justamente sobre isso que falaremos hoje. Tomar decisões ou fazer julgamentos com base em nossa intuição é útil na mesma medida em que é perigoso. Quer entender melhor?

Pois veja como a nossa mente pode nos enganar facilmente: no episódio "What you don't know" (o que você não sabe, em tradução livre) do programa Brain Games, exibido pelo National Geographic, uma tarefa interessante é apresentada a alguns participantes aleatórios.

Algumas perguntas são dadas e as pessoas não precisam saber uma resposta exata, basta que elas estipulem um intervalo mínimo e máximo ao que é perguntado. Ao final, as pessoas acabam dando estimativas muito ruins, mesmo sem o menor conhecimento da resposta certa.

Agora pense bem: se alguém pergunta a quantidade de países existentes na África ou a quantidade de livros no antigo testamento da Bíblia, por que você iria limitar um número se não tem a menor ideia de qual é a resposta certa?

A verdade é que as pessoas agem assim pelo excesso de confiança, mesmo em um assunto sobre o qual elas não têm total domínio ou conhecimento. O cérebro se esforça para encontrar respostas aleatórias, quando na realidade está escondendo de si mesmo que não sabe a resposta. É a ilusão do conhecimento.

Um exemplo prático de como essas intuições ilusórias podem nos enganar no dia a dia é a forma como fazemos algumas predefinições. Vejamos os escândalos envolvendo corrupção no país. Quando pensamos em desvio de dinheiro, associamos isso diretamente a políticos e pessoas que ocupam cargos públicos. Mas será mesmo que esses episódios não se repetem de igual maneira em empresas privadas?

Quantos escândalos financeiros acreditamos não existir simplesmente porque não estão ao alcance de nossos olhos? Você já caiu na cilada de escolher um investimento com base na impressão de algum amigo que escolheu a aplicação? Se já aconteceu contigo e não deu muito certo, é porque acabou confiando em uma impressão em vez de conhecer os fundamentos daquele investimento.

Isso remete a uma teoria de Daniel Kahneman que trata sobre o papel da semelhança em previsões. Se te falarem que o adultério pode ser muito mais comum na vida de celebridades do que no cotidiano de um bancário, você pode concordar de imediato, mas isso acontece porque você faz uma associação com o que vê na mídia diariamente.

Veja por um outro ângulo: qual a probabilidade de você encontrar o caso de adultério de um bancário nos jornais? Isso não significa que ele não esteja igualmente suscetível a passar pela mesma situação que o ator de novela que estampa a capa da revista de fofocas. A sua memória acessa o que encontra mais facilmente e faz uma admissão errônea com base no que você vê e acha que sabe.

Este tipo de intuição enganosa é bem diferente daquela que vem com o acúmulo de experiência, que age de acordo com uma certa perícia adquirida ao longo do tempo.

O psicólogo Gary Klein explora essa questão ao falar sobre o que chama de "sexto sentido do perigo". Um bombeiro sabe exatamente o que fazer para evacuar uma casa em chamas, mesmo antes de saber o foco do incêndio. Bem como um médico pode ser capaz de fazer um diagnóstico só de olhar para uma pessoa. Parece mágico, mas não é. São situações que acontecem porque a intuição neste caso é simplesmente um reconhecimento da memória, a leitura de um conhecimento prévio para uma dada situação.

Vendo a diferença entre os dois tipos de intuição, vale a ressalva para não confiarmos tanto em nossas impressões iniciais.

Post escrito em parceria com Karina Alves, jornalista e editora do site Finanças Femininas


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