Folha de S. Paulo


Atrasado: tome uma multa

O que aconteceria se começássemos a cobrar multas em cada atraso?

Em uma cidade como São Paulo, atrasos são parte da norma social. Para quem vive na capital paulista, a frase "estou quase chegando" quer dizer, na realidade, "acabei de sair de casa". E com o trânsito ruim, um "já, já estou aí" pode virar uma espera de 40 minutos pelo atrasado.

O que aconteceria, então, se começássemos a cobrar multas a cada atraso?

Os professores Uri Gneezy (Universidade da Califórnia em San Diego) e Aldo Rustichini (Universidade de Minnesota) fizeram um teste em dez berçários na cidade de Haifa, em Israel, para avaliar se a cobrança de uma multa faria os pais das crianças chegarem pontualmente para buscá-las.

A ideia parece simples: ninguém gosta de pagar multas. Elas seriam, no caso, um estímulo extra para os pais não se atrasarem na hora de pegar os filhos no fim do dia.

No entanto, o resultado do estudo foi radicalmente diferente do esperado. Os pais começaram a atrasar ainda mais. Ao estabelecer a multa, a escola implementou uma lei de mercado em uma relação com os pais que antes se baseava na cortesia.

Além de não quererem deixar os filhos esperando na escola, os pais ainda se sentem mal quando forçam os professores a ficar por lá até conseguirem chegar para buscá-los. No entanto, com a aplicação da multa, passou a imperar um raciocínio de mercado: o atraso (e o tempo dos pais) ganhou um preço e, para muitos pais, o preço era baixo. Para quem não conseguiria chegar a tempo, estava tudo bem, pois tudo o que tinham a fazer era pagar a multa e voltar para casa com a consciência tranquila e as crianças no banco de trás.

O atraso passou a fazer parte do pacote, e os pais podiam escolher quando seria mais conveniente chegar atrasado –afinal, eles estavam pagando aos professores para cuidar dos seus filhos até a hora que chegassem.

A introdução do dinheiro (a multa) na equação mudou o comportamento dos pais. De acordo com um artigo de Kathleen D. Vohs (Universidade de Minnesota), Nicole L. Mead (Universidade da Flórida) e Miranda R. Goode (Universidade da Colúmbia Britânica), "o dinheiro muda as motivações das pessoas (principalmente para o melhor) e o seu comportamento com outros (principalmente para o pior)".

Lembretes de dinheiro, feitos em alguns estudos diferentes, deixaram os participantes mais propensos a se comportarem de uma forma mais autossuficiente e menos altruísta. Diante de participantes que não foram lembrados de dinheiro nos estudos, aqueles que o foram preferiram trabalhar sozinhos, ajudar menos os outros e até se distanciarem fisicamente mais dos outros.

Esse é o problema de não reconhecer que existem duas regras que regem nossos relacionamentos: as sociais e as de mercado. As normas sociais focam na cortesia, troca de gentilezas, presentes e todo o "toma lá dá cá" sutil que existe nas nossas relações pessoais. Um amigo lhe convida para jantar, você leva uma garrafa de vinho. Para trocar as leis sociais pela de mercado, basta oferecer, no lugar de uma bebida, um valor em dinheiro que você imagine que vá compensar o seu anfitrião. Com todas as chances, ele sairá ofendido e este foi o último convite.

Post em parceria com Carolina Ruhman Sandler, jornalista e fundadora do site Finanças Femininas.


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