Folha de S. Paulo


Como era a educação financeira quando havia hiperinflação?

Quando é feita uma comparação dos dias atuais em relação a 10 ou 20 anos atrás, percebe-se que as discussões e publicações sobre educação financeira têm crescido.

Contudo, para os adultos de hoje, que viveram a época da hiperinflação entre a segunda metade dos anos 80 e até 1994, falar sobre educação financeira pode parecer algo novo, pois naquela época esse tema se resumia basicamente a proteger o dinheiro da inflação ou pelo menos perder menos. E aí, como esses adultos podem orientar seus filhos na atual conjuntura bastante diferente da que eles viveram sua infância e adolescência?

É bem verdade que uma análise estático-comparativa pode levar a resultados simplistas, ou seja, comparar a conjuntura de hoje com aquela do passado. Contudo, não se pode desprezar que as crianças e adolescentes de hoje não conheceram a inflação de dois dígitos mensais e nem sequer fazem ideia de o que é verificar os preços subindo diariamente, em alguns casos até mais de uma vez no mesmo dia.

Mesmo assim, dinamicamente ao longo dos últimos 20 anos, o brasileiro foi se acostumando a viver com a estabilidade de preços, o que não quer dizer que não tenha havido inflação nesse período. A questão é que o comportamento da variação dos preços ao longo dos últimos 20 anos foi bem diferente do que o mecanismo inercial do período hiperinflacionário.

Educação financeira no passado apresentado representava basicamente, sobretudo para o trabalhador assalariado, receber o seu pagamento e no mesmo dia ir ao supermercado e fazer a feira do mês, ou seja, comprar tudo o que fosse possível naquele dia, pois no dia seguinte os preços eram mais altos, o dinheiro no bolso perderia poder de compra e a cada dia que se passava, comprava-se menos ainda.

Não havia nenhum planejamento e muitas vezes os trabalhadores compravam o que não precisavam, simplesmente para aproveitar o preço. Atitudes assim incorriam em provocar desperdícios, sobretudo de alimentos.

Os que tinham uma condição financeira melhor possuíam cômodos em suas residências, chamados de despensa, que eram entupidos com produtos de que a família necessitava para passar o mês. Agora imagine nos dias de hoje, com o metro quadro caro como está, uma família ter um cômodo apenas para estocar alimentos e materiais de limpeza?

Tais famílias, com maior acesso ao sistema bancário, ainda utilizavam do benefício da conta corrente remunerada atrelada a fundos de curtíssimos prazos, popularmente conhecidos como "fundão", para fazer com que seu dinheiro rendesse alguma coisa a cada dia e assim, a perda para a inflação fosse menor. Com isso, uma pessoa aplicava o dinheiro nesse "fundão" e resgatava somente no dia do vencimento da conta. Por outro lado, quem não tinha acesso a esse tipo de aplicação via o seu dinheiro perder o poder de compra a cada dia ao longo do mês.

Enfim, relembrar esse passado sombrio da economia brasileira parece reviver uma história de ficção para quem nasceu sobre a égide do Plano Real, que com todos os seus problemas, teve o grande benefício de combater a inflação inercial diária e possibilitar que os agentes econômicos pudessem planejar o seu futuro financeiro.

De posse dessas informações, os pais de hoje, que viveram nesse passado difícil, devem buscar cada vez mais conhecimentos modernos, sem abandonar o aprendizado com o passado. A educação financeira para as novas gerações deve ser aperfeiçoada e enriquecida tanto com os novos conhecimentos quanto com a bagagem adquirida.

Artigo em parceria com o prof. Fernando Antônio Agra Santos (Universo, campus Juiz de Fora - MG), doutor em economia aplicada (UFV) e economista da UFJF


Endereço da página: