Folha de S. Paulo


Que não seja só maquiagem

Você tem em mãos a Folha em sua nova anatomia. A reformulação constante, anotou o historiador Nicolau Sevcenko, é dos aspectos mais marcantes deste jornal, septuagenário na terça-feira.

Só nos últimos dez anos esta é a quarta grande reforma por que passa o jornal - sem contar iniciativas como a das edições regionais diárias, a cadernização dos Classifolhas ou o uso constante de mapas, gráficos e tabelas. Em 1983 foi adotada a divisão em seis colunas e informatizada a Redação; em 1988, implementada a modulação e enfatizada a cadernização; em 1989, aumentadas as letras, modificado o seu desenho, redesenhado o logotipo. Agora, o remanejamento pretende melhor adequar a leitura, "dirigida e seletiva", às conveniências do leitor e à "conformação mutante" do noticiário nacional e internacional. Deseja-se também evidenciar o aspecto qualitativo do desenvolvimento do jornal - para citar alguns dos objetivos expressos em documento da secretaria do Conselho Editorial.

Estarei vendo as mudanças junto com você. As únicas coisas que eu soube acerca das transformações estão contidas nesse relatório do Conselho Editorial (que circulou reservadamente em janeiro), nas informações publicadas ontem e nas fofocas de jornalistas, quando aprendi o nome-código usado pelos seus responsáveis para se referir à operação: Projeto A.

De antemão, tenho ressalvas à mera maquiagem gráfica ou simples reformulação de cadernos no sentido de criar apenas impacto. Não existe grande coisa mais a inventar nessa área. Reforma gráfica? Se o jornal não tem fios, então é só coloca-los; se os tem, basta retirá-los, costumavam dizer jornalistas mais velhos e sempre céticos. Hoje, a moda é criar cadernos e introduzir cores. A Folha abusa desse marketing mutante. Resta ver se, junto às alterações, vêm mais qualidade na informação, maior respeito às verdades dos vários lados envolvidos em notícias e, no varejo, maior preocupação com o vernáculo tão esculhambado nas páginas dos jornais brasileiros. Só na Folha, a média de erros de grafia e digitação está na faixa dos 130 por dia.

Jornalismo, cada vez mais, deve ser entendido como a conjunção de informação, interpretação e serviço. Os recursos das mudanças formais se esgotam rapidamente neles mesmos. Especialistas em comunicação têm revisto os conceitos sobre o negócio da notícia: menos o produto jornal e mais a informação. É ela, a informação correta e completa, a fiadora da invulnerabilidade da imprensa frente aos poderes, qualquer deles, governamentais, políticos, empresariais, sindicais ou religiosos.

Nesse sentido, a nova reforma chega carregada de boas intenções. Alguns pontos positivos podem ser destacados a priori:
1. Insatisfação permanente com os resultados já obtidos.
2. O caderno Brasil. Ele aglutina o noticiário "quente" nacional além do da política e o de política econômica. A separação anterior (política no primeiro caderno e economia política no caderno Economia) estava defasada em relação à própria realidade. O rígido horário de fechamento de cadernos como Cidades ou Ilustrada muitas vezes impedia a cobertura completa de fatos ocorridos no começo da noite. Eles agora devem ir para o Brasil em toda a sua inteireza.
3. A criação do caderno Mundo. Não sei porque o noticiário do exterior, e não somente o de política internacional, levou tanto tempo para ganhar caderno exclusivo na Folha - ou em qualquer outro jornal. A grande imprensa brasileira investe bastante nos correspondentes internacionais e as transformações políticas e econômicas por que passa o Leste europeu, a própria Europa, a emergência dos tigres asiáticos, o fim da Guerra Fria, o problema crônico do Oriente Médio, as inovações científicas e tecnológicas, tudo isso merece espaço maior e tratamento mais consistente.
4. O caderno Dinheiro. Ele sofistica a cobertura dos negócios e empresa e eleva o mercado à sua condição de notícia prioritária na sociedade.
5. As novas seções, novos colaboradores fixos e o suplemento Folhateen, do inglês "teen-age", que define os adolescentes dos treze, "thirteen", aos dezenove "nineteen". Ele chega para os jovens - segmento do qual se descuida erroneamente porque é o fator de renovação do leitorado. A Folha recupera com o Folhateen experiência mal sucedida com o caderno Viva, de cruta duração.

Quanto aos aspectos negativos, antecipadamente verificáveis, eu apontaria: o rebaixamento de esportes, aglutinado pelo caderno Cotidiano - salvo aos domingos e segundas. Mais uma vez o esporte é chutado para o segundo plano. Leitores dos primeiros clichês da Folha continuarão sem os resultados das partidas dos dias anteriores?

Na sobra, a novidade tem seus efeitos. Como o de impactar a concorrência quando as coisas pareciam ais ou menos estabilizadas na mimetização de várias iniciativas da Folha. A cadernização, tendência internacional notadamente nos Estados Unidos dois a grande marca do jornal nos últimos três anos e acabou incorporada pela imprensa cabocla.

Mas o grande desafio da Folha é o de desenvolver-se ampliando o seu "potencial inventivo" (conforme os documentos do Conselho Editorial) e com isso criar efeito-surpresa capaz de desorientar os próprios concorrentes. Na análise da secretaria do Conselho, prevê-se para este ano uma hiperconcorrência e a Folha e "O Estado de S.Paulo", o principal competidor. Ali se afirma: "o jornal 'OESP' renunciou à ideia de um modelo editorial próprio. Sua identidade tradicional está sendo rapidamente desfigurada a golpes de oportunismo comercial e editorial. Aquele jornal paga, dessa forma, o preço de se desfazer de seu principal capital ideológico para obter em troca vantagens imediatas que lhe permitam manter-se à tona." Usa-se também imagem oportuna para qualificar a atual atitude do competidor, a de um "balconista de temperamento conservador que se vê obrigado a jogar fora trastes, velhos móveis de família e até suas bandeiras para recuperar a altitude que perdeu".

O momento parece adequado para investir em concepção diversa do ordenamento do noticiário e num visual diferente. Fico torcendo para que as confusões iniciais sejam pequenas e a reforma não acabe se tornando mera maquiagem, máscara enganadora e superficial de um modelo que tem muito para ser aperfeiçoado. Espero que o leitor saia ganhando em informação, interpretação competente, e madura, dos fatos; além de muito serviço.

No que diz respeito a nós, leitor e ombudsman, a melhor notícia é a das retificações (os "Erramos") reunidas na terceira página do caderno Brasil, junto ao espaço nobre das cartas - insistente reinvindicação de leitores. Vista, lida e analisada a nova Folha, eu gostaria de saber a sua reação ao novo projeto. Cartas e telefonemas para o ombudsman, às suas ordens. E parabéns para a aniversariante.


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