Folha de S. Paulo


Canto de sereia

"No Brasil, quem vigia as eleições é a mídia. Não precisa de mais ninguém. Basta." A afirmação, feita quarta-feira pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em reação à "ameaça" do senador José Sarney de pedir observadores internacionais para vigiar o pleito de outubro, pode ter sido mero lance de efeito, mas merece reflexão.

Primeiramente, dado o momento em que ocorreu, ela é suspeita e capciosa -ainda mais vinda de alguém pouco chegado ao destempero e ao improviso.

Aparece em meio à onda de notícias acachapantes para a candidatura de Roseana Sarney, parte de amplo e histórico rolo compressor, como já se disse, co-assumido sem pudor pelos veículos de comunicação, com poucas exceções. Ação favorável, claro, ao pré-candidato tucano.

Assim, intencionalmente ou não, com aquelas palavras o presidente dá um afago, uma espécie de retribuição, elogia, fornece à mídia (a mesma que ele já atacou antes, em diversas oportunidades) um voto de confiança, como se lhe propusesse um pacto.

A atuação da imprensa no massacre começou logo após a ação policial na empresa Lunus, alcançou o auge com a exposição ininterrupta das notas de R$ 50 encontradas (em especial pela TV Globo) e, semana passada, voltou sob diferentes formas.

A pesquisa CNI/Ibope, por exemplo, em que Roseana passou de 17% para 13% e José Serra de 19% para 16% das intenções de voto, recebeu do jornal "O Estado de S.Paulo", na sua capa de sexta-feira, o seguinte título: "Roseana cai, rejeição aumenta". Na página interna: "Prestígio de FHC sobe e Roseana cai, revela Ibope". Os dois pré-candidatos caíram, mas os títulos só falavam de uma queda, opção coerente com editorial do mesmo dia ("A diatribe do pai de Roseana") em que Sarney é chamado de "afável oligarca".

"O Globo" foi mais objetivo: "Ibope: Roseana perde 4 pontos e Serra, 3", enquanto na Folha o mesmo levantamento teve o título "Pesquisa aponta queda de tucano" -puxando pelo inverso do que fez o concorrente local.

E aqui cabe comentar a cobertura dada pela Folha ao principal evento político da semana, o discurso de quarta-feira no Senado. Ela foi o mais generoso dos jornais com relação a Sarney, destoando, pelo avesso, do coro oficialista.

Publicou a íntegra do pronunciamento, que ocupou página inteira -regalia só outorgada a documentos considerados preciosos-, e, dentre os principais diários, foi o único a não destacar, na reportagem sobre o evento, a ausência de explicação por parte do senador para a origem do R$ 1,34 milhão na Lunus.

O título acima, ao não registrar que também Roseana caía na pesquisa, combina com a postura relativamente branda em relação ao clã Sarney.

PAPEL DA MÍDIA

Voltando ao início. As afirmações de FHC fazem pensar, também, no papel dos meios de comunicação no processo eleitoral.

Diferentemente do que diz o presidente, quem vigia eleição é a Justiça Eleitoral. Ela, sim, deveria bastar. Se falha ou tem vícios, é outro problema, a ser reportado inclusive pela imprensa.

Ao atribuir tal papel à mídia -e ainda enfatizando que isso "basta"-, dá-se um pontapé perigoso naquela instituição.

O "Manual da Redação" da Folha tem na sua página 28 uma formulação interessante a esse respeito:

"Não cabe ao jornalista praticar funções de policiamento e fiscalização da maneira como são exercidas por órgãos públicos. A investigação dos fatos diz respeito ao compromisso do jornalista com a verdade e a crítica, e não com a promoção de atos de julgamento, que competem à Justiça".

Assim, a retórica enaltação presidencial encobre um canto de sereia. O jornalista que se achar fiscal ou vigia do processo eleitoral estará se auto-enganando. Sem instrumentos nem poderes, muito menos delegação para isso, poderá estar avalizando, involuntariamente, um processo cuja lisura não é capaz de comprovar. Aí se instaura uma armadilha.

A mídia não está acima de tudo e de todos, nem seria desejável que estivesse. Pois isso só se poderia dar em detrimento de outras instituições sociais.

Do jornalista se espera que apure e reporte todo fato, positivo ou negativo, relativo a candidatos, ao Legislativo, ao Executivo, à Justiça ou à própria mídia, que contribua para a reflexão do (e)leitor.

Não se trata de repisar denúncias ou espalhar dossiês a serviço -mesmo sem querer- deste ou daquele lado, mas reportá-los, sim, quando fizerem sentido. Pois a sociedade tem direito à informação, e a imprensa deve ser seu instrumento para exercê-lo.

Em especial aos jornais, cabe, ainda, promover debates de programas e idéias, apontar incoerências, fornecer subsídios históricos, auxiliar o (e)leitor a estabelecer suas próprias escolhas.

Vigiar, assim como favorecer candidaturas, são outros quinhentos.

PELA METADE

Quem chamou a atenção para o texto ao lado foi um leitor que, ao telefone, indagava: "Qual é o sentido? Papel jogado fora".

Lendo-se a matéria (publicada em Cotidiano segunda-feira), a conclusão é óbvia: não há, nela, nenhum dado que justificasse a publicação.

O assunto é sequestro, e, como sabe boa parte dos leitores, a Folha se permite omitir informações que possam colocar em risco a segurança de uma pessoa.

No caso, porém, todas as informações foram retiradas. Só restaram frases abstratas.

Apesar do tema dramático, o texto ganhou ares cômicos. Melhor teria sido simplesmente sacá-lo da edição.

*

Por falar em omissão, leitores de cinco cidades de diferentes Estados contataram o ombudsman para reclamar da ausência de noticiário sobre a prisão do pediatra Eugenio Chipkevitch, acusado de abuso sexual contra adolescentes, em seus exemplares de sexta-feira da Folha.

De fato, a notícia só entrou na edição São Paulo/DF, que "fecha" às 23h30, enquanto as demais "fecham" às 20h.

O editor de Cotidiano, Nilson de Oliveira, explica que o caderno teve a informação por volta das 19h30 por meio do "Agora" e que "esse jornal tinha dúvida a respeito da publicação do material e não divulgou nada em sua edição interior". Acrescenta: "Ao que sabemos, apenas as TVs (Globo e SBT) souberam, à tarde, da prisão do terapeuta porque haviam recebido as fitas".

Ora, o site da Folha colocou no ar a notícia às 19h50 da quinta-feira, com crédito para a Folha e para o "Agora". Portanto, teria havido tempo para sua inclusão na versão impressa, de alguma forma. Ou faltou agilidade, ou subestimou-se a notícia.


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