Folha de S. Paulo


"Balas perdidas"

O título acima é emprestado de um estudo sobre o "comportamento da imprensa brasileira quando a criança e o adolescente estão na pauta da violência".

Trata-se de um trabalho da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi), em parceria com outras instituições.

Analisam-se dados do cruzamento de informações de 1.140 reportagens publicadas entre 1º de julho de 2000 e 30 de junho de 2001 em 46 jornais de 24 Estados.

O diagnóstico é desanimador: "A mídia brasileira não atinge o alvo da boa cobertura, ferindo o direito do leitor por uma informação propositiva e de qualidade sobre a violência que envolve crianças e adolescentes".

Segundo a pesquisa, 80% das reportagens se fazem com base em boletins de ocorrência das delegacias, o que significa não ter havido, nesses casos, "processo tramitado e, consequentemente, não há agressores comprovados".

Mais um dado: 96% das reportagens são apenas informativas, num tipo de jornalismo que, avalia o texto, "faz da crueza descritiva um fim em si mesmo".

Num ranking baseado em critérios qualitativos das matérias, a nota mais alta atingida por um jornal foi 39,1 (num máximo de 100). Algo estarrecedor.

Registre-se que o campeão, no caso, é o "Jornal do Tocantins".

A Folha, com 38,2, vem em terceiro lugar, atrás do "Globo" (38,5). O "Estado de S.Paulo" (31,9) aparece em 15º; e o "Jornal do Brasil", para ficar nos chamados principais jornais de circulação nacional, ocupa nesse ranking a 7ª posição (nota 34,7).

Outro aspecto enfatizado pela Andi em seu levantamento diz respeito à ausência e à omissão da mídia no debate sobre o problema da violência envolvendo crianças e adolescentes.

De todos os textos analisados, 94,3% são apenas descritivos. Quer dizer: há pouquíssimas entrevistas, artigos, editoriais ou colunas discutindo a questão.

MALÍCIA E DEBATE

A cobertura policial ou da violência é uma das mais difíceis e sujeitas a armadilhas. Exige, de fato, malícia e reticência.

Caso contrário, o jornalista corre o risco de ser instrumentalizado por delegados ou policiais -como em todo ofício, entre esses existem os maus e os bons profissionais- , com graves consequências para vítimas ou supostos agressores.

O dado de que o noticiário sobre o assunto tem-se calcado, na sua grande maioria, exclusivamente em informações policiais deve, portanto, servir de alerta.

Além disso, claro que jornal não é governo, não é partido político nem instituição beneficente. Mas, sem dúvida, uma das expectativas da sociedade é que a imprensa contribua mais do que tem feito -como revela o estudo- para o debate a respeito de uma de suas faces mais tristes e cruéis.

OPERAÇÃO CAÇA-NÍQUEL

"Muito bom para empresas, para a Anatel e para a Folha o caderno Comunicação Digital. Mas e para o leitor? O que esse caderno trouxe de informação, e não de propaganda? Alguém lembrou que o leitor da Folha não é o "mercado'?".

O trecho acima abre carta publicada sexta-feira no Painel do Leitor, de Marcel Ribeiro da Silva, de São Paulo.

Ele se refere ao caderno especial "Futuro sem Fio", publicado terça-feira, sobre as perspectivas das telecomunicações no Brasil para 2002.

A indignação de Silva faz todo sentido.

De um total de oito, três páginas e meia são ocupadas por propaganda de empresas ligadas ao tema. Tirando-se a capa -uma ilustração-, sobram apenas outras três páginas e meia para jornalismo.

As reportagens, por sua vez, com uma exceção, traziam marcas típicas de textos básicos, não obrigatoriamente mal-escritos, tampouco frívolos, mas certamente acríticos, vendedores de um panorama róseo do setor.

Veja alguns títulos: "Nova geração celular promete internet veloz"; "Voz, dados e imagens vão ser enviados juntos"; "Abertura pode criar mais concorrência".

Tudo bem, até, desde que houvesse, em compensação, análises ou pesquisas, reportagens questionadoras ou entrevistas que pudessem reportar a realidade de modo mais profundo. Como indagou, ainda, o leitor:

"Por que o nosso serviço de telefonia ainda cobra assinatura e não somente os serviços efetivamente prestados? (...) A expansão da rede de telefonia foi feita com qualidade? Por que até hoje há pontos "cegos", ou melhor, "surdos-mudos" na telefonia móvel dentro da cidade de São Paulo? (...) O papel da Folha é informar ou alardear promessas vagas?".

Essa carta, como se diz, pega na veia.

"SOLUÇÕES"

Como já ocorreu -e ocorre- em outros órgãos de comunicação de modo explícito, a Folha realizou, nesse caso, uma nítida operação caça-níquel, na qual a busca de verba publicitária superou o dever de levar ao leitor informação de qualidade.

Como avaliei semana passada neste espaço, a situação econômica dos jornais está grave e cobra iniciativas. Anúncios são, sem dúvida, uma arma essencial na luta pelo azul nas contabilidades.
Mas não será com "soluções" assim -a não ser na visão de curto prazo-, vendendo a alma ao diabo (perdoem, publicitários, é só força de expressão), que um jornal de qualidade se garantirá.

PARA CIMA, PARA BAIXO

As duas manchetes reproduzidas acima, da Folha e do "Estado de S.Paulo" de sexta-feira, são um caso emblemático de como as opções editoriais podem ser subjetivas, dependendo dos humores de seu autor ou de inclinações políticas.

A partir dos mesmos dados divulgados na quinta-feira pelo IBGE, o "Estado" produziu uma manchete otimista.

O texto da chamada, por sua vez, dizia que, embora pequeno, o crescimento (de 0,34%) foi "um resultado melhor do que se esperava (...) um índice confortante diante da retração na economia mundial".

Já a Folha, com um viés negativista na manchete, afirmava no seu texto que este "foi o pior desempenho desde o terceiro trimestre de 1999", acrescentando que, "em relação ao trimestre anterior, a expansão do PIB foi de apenas 0,05%" -dado este ausente na chamada da capa do concorrente.

Esta, por sua vez, trazia a seguinte declaração do gerente de Contas Nacionais Trimestrais do IBGE, Roberto Olinto:

"Em termos gerais, em 2001 tem havido uma diminuição no nível de atividade bastante uniforme, mas todos os setores apresentaram crescimento".

Já a citação eleita pela Folha é do ministro Pedro Malan (Fazenda) e vai no sentido oposto: "Foi um ano terrivelmente complicado". Leitor, faça sua escolha.


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