Folha de S. Paulo


Foi bom

Existem momentos "críticos" que resolvem definitivamente uma dúvida. Na matemática, basta um contraexemplo para acabar com a mais bela conjectura. Pasteur, com um experimento, sepultou a teoria da "geração espontânea". Eddington, com duas fotografias, confirmou Einstein. Sem juízo de valor, Eduardo Cunha criou um momento crítico que poderá acabar com a paralisia que resultou da perda de credibilidade da presidente.

Ela se reelegeu com 24% dos eleitores declarando o seu governo ruim/péssimo (Datafolha). Quando a marquetagem eleitoral foi desmascarada a percentagem triplicou (Datafolha). O quinquênio 2011-15 pode ser resumido num número. O PIB do Brasil cresceu um pouco mais do que 5% enquanto o PIB mundial cresceu um pouco mais do que 17%, e o dos emergentes (ex-Brasil), nada menos do que 28%. Logo, a tragédia foi interna!

Infelizmente, Dilma não mostrou disposição de enfrentar a realidade e reconhecer que o equivocado esforço para reeleger-se fora desastrado. A luta política aprofundou-se e transformou o resultado da eleição num martírio sem fim. A falta de protagonismo do Executivo e a sistemática negação da gravidade da situação colaboraram com o entorpecimento político da sua gigantesca "base potencial": dez partidos sem nenhuma fidelidade!

Isso retarda as medidas corretivas (sob grave ataque, aliás, de seu partido, o PT), o que piora mais a economia que, por sua vez, aumenta a confusão política, que piora ainda mais a economia e, assim, cumulativamente, até chegarmos à espantosa redução anual do PIB de 4,5% entre o 3º trimestre de 2015 e o seu homólogo de 2014.

É importante que Dilma entenda que o que está em julgamento não é a sua honradez que todos reconhecem. São os problemas materiais de sua administração. O presidente da Câmara não é o autor da denúncia. É apenas seu portador.

A sua defesa, portanto, tem que descer ao substantivo e esquecer o "ad hominem". Estamos diante do experimento crítico: ou Dilma defende-se corretamente, assume o seu protagonismo, enquadra a sua "base" e propõe reformas constitucionais indispensáveis ou a Câmara, convencida da impossibilidade de reconstrução da confiança da sociedade na presidente, dá-lhe a oportunidade de afastar-se com honra.

Isso não pode e nem deve ser resolvido como uma competição de passeatas cívicas entre vermelhos e verde-amarelos, mas pela análise cuidadosa da prova material do fato que teria gerado o desvio de função de que fala a peça do impeachment. Lembremos que não gostar do governo nunca será uma condição suficiente para renová-lo antes da próxima eleição.

Agora há, pelo menos, uma chance de luz no fim do túnel.


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