Folha de S. Paulo


Solução manca

O intempestivo pedido de prisão de Lula por promotores de São Paulo na quinta-feira (10) talvez objetive aumentar a participação nas manifestações deste domingo. Tal como o passo em falso do juiz Sergio Moro ao autorizar a condução coercitiva do ex-presidente na sexta (4), estimula a gana que determinados setores de classe média cultivam em relação ao líder popular. Tais iniciativas podem ter êxito imediato, mas os custos futuros serão enormes.

Está em andamento um gigantesco mecanismo voltado para tirar de cena algumas de suas forças fundamentais. Atenção: constatar a onda que se forma não implica elidir as revelações da Lava Jato. No plano jurídico, cada um terá que explicar e pagar por eventuais erros cometidos. A questão é perceber as consequências de transformar um inquérito republicano em caça às bruxas.

Pode-se argumentar que promotores são pagos para investigar e acusar, e a esquerda sempre foi favorável a um Ministério Público forte e independente. Mas há algo de profundamente errado quando as acusações ficam centradas em apenas um dos lados do jogo polar que o partido dos pobres e o partido da classe média disputam no Brasil.

Investigações técnicas, conduzidas com discrição e equilíbrio, para apurar todos os partidos envolvidos no que se mostra como o sistema tradicional da política brasileira devem ser apoiadas. Mas a seletividade, o atentado aos direitos individuais, a hiperdivulgação de alguns fatos em detrimento de outros estão transformando o que poderia ser um avanço institucional em ameaça golpista, no sentido de usar truques para eliminar um dos participantes da peleja.

Em consequência, altos líderes tucanos, milagrosamente preservados de todas as acusações, preparam-se para voltar ao poder. Cogitam um possível governo Michel Temer, em caso de impeachment. Ou um semipresidencialismo, em que ocupariam o posto de primeiro-ministro sob a presidência de uma Dilma convertida em rainha da Inglaterra.

Já articulam um programa liberal na economia, com reforma da Previdência e desmontagem da CLT. Propõem também reformas institucionais para diminuir o número de partidos e reintroduzir o financiamento empresarial de campanha. Nesse balaio entrariam todas as correntes (PMDB, PSB, PRB etc.), desde que dispostas a eliminar o lulismo.

Os luminares do PSDB esquecem que a democracia brasileira não funciona sem um forte partido autenticamente popular, o partido dos pobres. Foi assim com o PTB, depois, com o MDB, e hoje com o PT. Soluções que deixam a base da sociedade sem opção têm voo curto. Será possível que tenham desaprendido essa lição fundamental justamente aqueles que a formularam meio século atrás?


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