Folha de S. Paulo


Rever a reeleição

Na semana que começa amanhã a Câmara dos Deputados deverá votar em segundo turno as propostas de "reforma política" aprovadas de maneira atropelada dez dias atrás. Ainda que sob a liderança de Eduardo Cunha o bom senso tenha andado longe da Casa, trata-se de oportunidade para reexaminar as decisões tomadas.

Considere-se, por exemplo, o fim da reeleição. Aparentemente aprovado, por larga maioria, com o suposto fito de "oxigenar a política", pode resultar no contrário. É o que vai acontecer se os mandatos forem fixados em cinco anos e se decidir pela coincidência dos mesmos, incluindo prefeitos e vereadores. Hoje chamados a opinar a cada biênio, os brasileiros passarão a ficar meia década longe das urnas. Evidente retrocesso na participação.

Por outro lado, os pleitos presidenciais ocorridos sob o instituto da reeleição não indicaram problemas que justifiquem a sua abrupta interrupção. Ao contrário, as reeleições de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff deram suficiente legitimidade aos governantes para exercer na sua plenitude o novo período no poder.

Mesmo no caso da atual presidente, visivelmente enfraquecida por uma conjunção de fatores que temos analisado, a lisura da eleição de 2014 tem sido, ao menos até aqui, suficiente para assegurar-lhe a continuidade. Em resumo, não se comprovaram os justificados temores de que extensivo uso da máquina pública pudesse viciar o sistema. Trata-se, por sinal, de exemplo como, na prática, as regras funcionam de maneira distinta da que se pode prever na teoria.

É verdade que, em condições médias de temperatura e pressão, o eleitorado tende a conceder mais um período àquele que já está no exercício da função. Mas houve, em outros níveis de governo, exemplos de vitórias oposicionistas contra candidatos à reeleição. A breve experiência brasileira mostra, portanto, que, ultrapassado certo limite de rejeição, a probabilidade de derrota daquele que está no poder é provável, senão certa.

Oito anos de governo, com um recall no meio, compõe prazo suficiente para desenvolver programa substantivo, sem limitar o direito popular de emitir cartão vermelho no meio do jogo. Se diminuir o tempo disponível, começarão as observações de haver pouco espaço para o (a) presidente fazer algo efetivo, e nova mudança estará em pauta.

Já que a Câmara anda em nítida veia conservadora, podia aproveitar para manter aqueles mecanismos que, no mínimo, ainda não foram bem testados, se é que não são bons. Caso não o faça, espera-se que o Senado atue, como a Casa revisora que é, e bote alguma racionalidade na confusão armada no plenário ao lado.


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