Folha de S. Paulo


Terra devastada

RIO DE JANEIRO - Rubem Braga, que sempre preferiu viver à beira da praia, nutria um "remorso eterno" por não morar em Santa Teresa. Hoje ninguém quer chegar nem perto de lá, para evitar o caos de terra devastada: as ruas um só buraco, poeira, engarrafamento, barulho, canteiros, tratores e escavadeiras abandonados. A dificuldade de circulação determinou o fechamento de lojas, restaurantes, ateliês.

É o resultado das intermináveis obras para a volta dos bondinhos, que deixaram de circular há quase quatro anos, quando a falta de manutenção do sistema provocou um grave acidente na rua Joaquim Murtinho, deixando 6 pessoas mortas e 57 feridas.

Preservados como principal meio de transporte, os bondes sempre deram um jeito de saudade ao bairro plantado no antigo Morro do Desterro. Podia-se brincar o Carnaval como no passado, cantando e pulando nos estribos, fugindo do condutor para não pagar a passagem. Viajar em bancos abertos, apreciando a cidade antiga e a moderna. Ou até praticar o perigoso esporte de pegar (e descer) o bonde andando –eu mesmo em garoto me arrisquei, em performances desastradas.

As obras começaram em 2013 e deviam ter ficado prontas antes da Copa. Arrastam-se como tartaruga. O custo ultrapassou o dobro do previsto, e o governo do Estado já desembolsou R$ 43,5 milhões, a metade do orçamento revisto. Parte do traçado concluído entre a estação Carioca e o largo do Curvelo terá de ser refeita, por um erro de instalação dos trilhos. Prazo para a volta dos bondes? É incrível, mas não há. Os moradores afirmam que o consórcio contratado, Elmo-Azvi, não reúne a mínima condição de fazer o serviço.

Rubem Braga também dizia que Santa Teresa é "um dos lugares do Rio que menos existe". Se a incompetência continuar, até esse "menos" deixará de existir.


Endereço da página: