Folha de S. Paulo


Senta que o BC é manso

Na apresentação dos novos (e velhos) responsáveis pela gestão econômica do país, o presidente do BC, fiel a seu passado, afirmou estar "trabalhando para trazer a inflação para o centro da meta, de 4,5% ao ano, no horizonte relevante, os próximos dois anos, 2015 e 2016".

A fala foi bem recebida, aliás até demais, considerando que a mesma promessa –na linha do "fiado só amanhã"– tem sido feita em todos os finais de ano desde 2011, com o sucesso que é de conhecimento público.

Na mesma linha o diretor de Política Econômica bravateou: "O Copom não será complacente e, se for adequado, irá recalibrar a política monetária", adicionando que, "para bom entendedor, pingo é i".

O mercado captou a mensagem do insigne mestre e passou a esperar, acertadamente a propósito, a aceleração do ritmo de aumento da taxa básica de juros, a Selic, de 0,25 ponto percentual para 0,50 ponto ao ano. Não houve, portanto, surpresa quando foi anunciada a nova meta para a taxa de juros na semana passada: 11,75% ao ano, versus 11,25% ao ano até então prevalecente.

Já no que diz respeito ao breve comunicado que acompanhou a decisão do Copom, não se pode dizer o mesmo. Além de destacar que a decisão de intensificar o ritmo de alta de juros valia "naquele momento", o comitê afirmou em seguida que "o esforço adicional de política monetária tende a ser implementado com parcimônia".

Em português, o BC, mais do que sinalizar que pretende reduzir o ritmo de ajuste da Selic nos meses à frente, na prática se comprometeu com essa trajetória. A inspiração veio, aparentemente, da experiência de outros bancos centrais, que, sob circunstâncias bastante distintas das nossas (inflação muito abaixo da meta, quando não risco de deflação), têm tentado amarrar as próprias mãos para convencer o público de que não elevarão a taxa de juros ao primeiro sinal de normalização da economia.

No caso brasileiro, porém, trata-se de promessa injustificável, mas que revela bem as razões pelas quais a inflação se mantém há anos acima da meta.

Em primeiro lugar, porque o próprio comportamento da inflação até as próximas reuniões do comitê (21 de janeiro e 4 de março) ainda não é conhecido. Eventuais surpresas nas leituras de dezembro a fevereiro podem forçar o BC a mudar essa conclusão.

Mais importante, ainda que o novo ministro da Fazenda tenha acenado com uma meta mais realista para o superavit primário no ano que vem (1,2% do PIB), a verdade é que não se sabe como ela será atingida. Trata-se de ajuste de praticamente R$ 100 bilhões, do qual rigorosamente nada está definido.

Depois de anos de uma posição absolutamente crédula quanto às promessas do governo na área fiscal, seria de esperar um ceticismo saudável do BC quanto ao tema, mas parecem permanecer tão crédulos como sempre.

O que na verdade se observa, e não é de hoje, é que o BC parece mais comprometido com a trajetória da taxa de juros do que com o comportamento da inflação.

Caso o compromisso do BC fosse mesmo com a inflação, ainda que a convergência fosse se dar dois anos à frente, ele não poderia anunciar um "orçamento" para a taxa de juros, como fez no seu último comunicado. Se há limites para a taxa de juros (e o comunicado aponta exatamente para isso), não há como afiançar a convergência da inflação à meta.

Nesse aspecto, apesar das nova rodada de promessas, vê-se que a atitude do BC não se alterou na comparação com o que temos observado de 2011 em diante. À luz disso, torna-se ainda mais difícil acreditar na historinha de convergência em dois anos. É nada mais que a mesma palestra flácida para acalentar bovinos.

O BC quis falar grosso antes da reunião. Ao fim dela, porém, miou uma mensagem bastante distinta: "Senta que o BC é manso". E, com isso, ganhará no Natal mais uma rodada de revisão para cima das expectativas de inflação no "horizonte relevante", sem ter que agradecer nada ao bom velhinho; apenas a si próprio.


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